Cartaz elaborado por Ricardo Wagner (CPT-CE), na ocasião do I Encontro Nacional de Diversidades da CPT. Foto: Arquivo CPT
Série, de vídeos intitulada #DiversidadesDoCampo a CPT joga luz sobre a diversidade de gênero e sexualidade na luta pelo direito à terra, ao território e ao Bem Viver.
Por Everton Antunes (Comunicação CPT Nacional)
Para celebrar e promover a conscientização pelo Mês e Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+ – festejado neste sábado (28) –, a CPT produziu a série #DiversidadesDoCampo, impulsionada desde o início de junho nos canais das redes digitais da Pastoral. O principal objetivo da iniciativa é destacar que os povos e comunidades tradicionais do campo, das águas e das florestas também expressam uma ampla diversidade de gênero e sexualidade, à medida em que lutam pela subsistência e autonomia dos territórios e pelo direito à terra e à vida.
A série ainda conta com depoimentos em vídeo de agentes pastorais de base da CPT, membros de organizações parceiras, bem como de camponeses e camponesas acompanhados pela Pastoral. Ao todo, o projeto prevê o lançamento de seis vídeos – dos quais cinco estão disponíveis para o público. No dia 31 de junho, Yakecan Potiguara – fundadora do Coletivo Caboclas de Indígenas LGBTI+ do Ceará, ativista, atriz, comunicadora e cineasta – encerrou o projeto com um relato sobre as vivências enquanto mulher indígena e pessoa LGBTQIAPN+ no contexto das lutas no campo, pelo território e pelo Bem Viver.
“Que possamos seguir juntos, com coragem, com esse mesmo amor, essa mesma resistência, porque a luta pela terra também é uma luta pela vida. E pela vida de ser quem somos!” – Elaine Ferreira, coordenadora da regional Rio de Janeiro/Espírito Santo da CPT
Frentes de Mobilização
Oficialmente criado em 22 de setembro de 2021, o Grupo de Trabalho (GT) de Diversidades é uma das frentes de estratégia e discussão sobre sexualidade, raça e gênero desenvolvidos no espaço da CPT. Entre os objetivos do coletivo estão o acolhimento das diversidades que compõem o corpo de agentes da Pastoral, o aprofundamento das questões de gênero, orientação sexual e raça, além do desenvolvimento de ferramentas para o registro de violências contra as diversidades no campo.
Desde a criação do Grupo de Trabalho, aconteceram debates virtuais para a sistematização do registro de violências no campo com recortes de gênero e sexualidade – juntamente com documentalistas do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (CEDOC-CPT) – e, entre os dias 27 e 29 de setembro de 2022, houve o I Encontro Nacional de Diversidades da CPT. O evento foi acolhido no município de Hidrolândia, estado de Goiás.
“A CPT possibilitou que fosse criado o GT de Diversidades, para discutir e construir ações que ajudam na superação de desafios pela população LGBTQIAPN+ – no âmbito da pastoral e nas áreas de sua atuação”, afirma Mauro Jakes, coordenador da regional baiana e integrante do GT de Diversidades da Pastoral.
Orgulho LGBTQIAPN+ e camponês
“A exclusão social e a negação do pertencimento aos territórios atravessam as existências LGBTI+ como cicatrizes abertas nas comunidades que resistem ao avanço do agro-hidro-minero-negócio — um projeto branco, normativo, que impõe monoculturas, seca rios, silencia vozes e lucra com a destruição”, analisa Mayra Souza, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), entidade parceira da CPT.
No entanto, ainda na visão de Mayra, “as existências LGBTI+ não se curvam. Elas brotam no contrafluxo. São sementes de desvio fértil, floresta viva, insubmissas à lógica do lucro. Carregam em si a força da agroecologia, o pulso da diversidade, a autonomia como prática e o respeito profundo ao tempo da terra. Ao contrário do capital, que impõe cercas, as corpas LGBTI+ desenham horizontes livres”, reflete a militante do MAM.
A fala de Mayra conflui com as reflexões propostas para o V Congresso Nacional da CPT, que como lema propõe “Romper cercas e tecer teias”. Aproveitando o mês do Orgulho, é preciso reafirmar que este rompimento e tecimento tem sangue e suor de pessoas LGBTQIA+ do campo, que desde seus corpos-territórios traçam lutas para garantir seu direito de existir, que é atravessada, também, pelo direito à terra, água, trabalho e soberania alimentar.
Lagoa que foi sustento para a comunidade de Gameleira- Imagem: Acervo APC
Quarta reportagem especial da série "Povos da Beira D’água", filme estreia no Dia Mundial do Meio Ambiente e retrata a resiliência e fé da comunidade diante da violação de direitos à vida e à natureza.
Por Cláudia Pereira| APC
Em celebração ao Dia Mundial do Meio Ambiente, 05 de junho, estreia o documentário "Comunidade de Gameleira", que lança luz sobre a história de luta e resiliência da comunidade quilombola de Gameleira, localizada no norte de Minas Gerais. O filme, que integra a série de reportagens Povos da Beira D’água, é uma produção da Articulação das Pastorais do Campo(APC) e revela os desafios e as conquistas de um povo que luta pela preservação de seu território, suas águas sagradas e sua cultura.
Situada na região de Januária, Norte de Minas, a comunidade de Gameleira vivencia um contexto histórico de conflitos agrários e uma luta constante pela preservação ambiental, especialmente das nascentes e lagoas que deságuam do Rio São Francisco e que já foi fonte de vida e sustento para muitas famílias. O documentário expõe as origens ancestrais da comunidade, sua relação com o lugar e o ecossistema local, que hoje se encontra ameaçado pela expansão do agronegócio na região.
Narrado por lideranças e anciãos, o filme intercala os depoimentos sobre as dores e a trajetória da comunidade com imagens do festejo de Nossa Senhora de Fátima, padroeira local, ilustrando a profunda conexão entre a fé e a resistência que sustenta a luta do povo. Entre as conquistas celebradas está o reconhecimento como uma comunidade quilombola e a mobilização na busca de proteger o território, um marco que se tornou a "porta para o conhecimento de seus direitos", garantindo o acesso à formação sem renunciar à preservação de sua cultura ancestral.
Lideranças narram a luta da comunidade - Foto: Cláudia Pereira
Apesar dos poucos avanços, porém significativos a comunidade celebra a recente indicação para o cadastro de regularização de seu território pelo Estado. Contudo a comunidade ainda enfrenta graves violações de direitos. Muitas famílias carecem de acesso a serviços básicos como transporte, saúde, saneamento, escolas e internet.
O filme denuncia as constantes ameaças e a criminalização sofridas por esses povos, frequentemente acusados injustamente de crimes ambientais enquanto defendem seus territórios. São relatos que representam povos e comunidades tradicionais do Brasil que lutam pela construção e defesa do bem viver e da nossa “Casa Comum”.
Velas - Festejo de Nossa Senhora de Fátima, padroeira da Comunidade - Foto: Cláudia Pereira
O documentário da comunidade de Gameleira destaca a importância de registrar e perpetuar a história do quilombo para as próximas gerações. As palavras dos entrevistados transmitem uma mensagem de otimismo e recuperação, incentivando a não desistir da luta pelo direito de ser, existir, preservar e de utilizar suas terras para a produção agroecológica.
“No início, enfrentávamos o abandono e a falta de recursos básicos, como água e luz. Nos organizamos em associação comunitária em 1986 e, com o apoio das pastorais e da igreja, conseguimos acesso à luz elétrica. Em 2006, nossa identidade quilombola foi reconhecida, e iniciamos o processo para obter o certificado da Fundação Palmares, o que conquistamos em 2012. Isso nos permitiu reivindicar ainda mais nossos direitos”, relata Maria Paixão, uma das lideranças da comunidade de Gameleira.
A produção é fruto do apoio de organizações que acompanham de perto a realidade das comunidades, como o Conselho Pastoral de Pescadores (CPP MG), a Comissão Pastoral da Terra (CPT-MG) e a Cáritas Brasileira (MG), que compõem a Articulação das Pastorais do Campo. A comunidade conta ainda com o suporte do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDH MG) e da Defensoria Pública.
Ficha Técnica:
Realização: Articulação das Pastorais do Campo
Produção e Reportagem: Cláudia Pereira | APC e João Victor Rodrigues| SPM
Direção: Cláudia Pereira e Humberto Capucci
Edição e Finalização: Humberto Capucci
Trilha Sonora: Antônio Cardoso, Zé Pinto, André Souza e Ewerton Oliveira
Diante do cenário de conflitos no campo, oficina virtual ajuda agentes sobre primeiros cuidados psicológicos e estratégias para enfrentar a escalada da violência e a luta por direitos.
Por Cláudia Pereira| APC
Na última sexta-feira (23), a Articulação das Pastorais do Campo (APC) e o projeto ACalmaMente realizaram oficina de apoio psicológico destinada a agentes pastorais do campo de diversas regiões do país. Representando as seis pastorais e organismos que compõem a APC e regiões do país, os participantes foram chegando na sala virtual e acolhidos carinhosamente pelo grupo de psicólogas. Foram duas horas e trinta minutos de audição cuidadosa, para sentir e viver as práticas de autocuidado.
A iniciativa surge como resposta ao cenário desafiador de violência contra povos e comunidades tradicionais no Brasil. O objetivo da APC é não apenas aprimorar as estratégias de autocuidado de seus agentes, mas também multiplicar ações que promovam o bem-estar de mulheres e homens que vivenciam diariamente a luta pelo acesso à terra e por direitos.
O Projeto ACalmaMente, idealizado em 2020 por Marlene Apolinário Vieira e um grupo de psicólogos, nasceu durante a pandemia de COVID-19 com a missão de oferecer suporte psicológico às populações vulnerabilizadas pelo isolamento social. Desde sua criação o projeto já atendeu cerca de 4 mil pessoas em situações de vulnerabilidade no Brasil e em outros países, consolidando parcerias e compartilhando aprendizados sobre primeiros cuidados psicológicos e autocuidado.
“Estamos aqui hoje para compartilhar nossa experiência e aprendizado com outras organizações e pessoas que necessitam. É formidável poder falar sobre primeiros cuidados psicológicos e autocuidado, que são fundamentais. Temos a esperança de que este workshop seja muito útil para vocês, assim como é para nós”, destacou André Sobanski, voluntário e integrante do projeto.
A oficina teve início com um momento de descontração e aquecimento corporal conduzido pela professora de Educação Física Rita de Cássia, preparando os participantes para as atividades seguintes. Além de mexer a musculatura do corpo, a professora “quebrou o gelo” deixando todos bem à vontade para absorver aprendizagem e se cuidar também.
A psicóloga Margeci Leal, especialista em psicologia psicodinâmica, abordou as definições e os processos relacionados a crises psíquicas, que podem gerar traumas e sofrimento. “O trabalho de acolhimento em crises é fundamentado nos ‘primeiros cuidados psicológicos’, um guia da Organização Mundial da Saúde que oferece orientações para tratar pessoas em situações de crise, respeitando sua dignidade e habilidades. O manual é um modelo de ação, não uma regra rígida”, explicou Margeci.
Um dos pontos altos do encontro foram as sessões em pequenos grupos, onde os agentes, acompanhados por psicólogas, puderam compartilhar seus desafios e receber orientações sobre como observar os sinais do corpo e da mente em suas rotinas.
A psicóloga Marlene Apolinário ressaltou a importância do autocuidado, especialmente em tempos de crise, e propôs reflexões sobre práticas que vão além do cotidiano. “O projeto ACalmaMente surgiu como uma semente em meio a uma situação assustadora que foi a pandemia. Estamos no quinto ano, conseguindo acolher a dor de muitas pessoas, mesmo que brevemente”, enfatizou.
Ao final, a psicóloga Maria Aparecida de Oliveira guiou os participantes em uma sessão de relaxamento de 30 minutos, demonstrando a importância da pausa para a observação do corpo e da mente como ferramenta essencial na luta em defesa das pautas dos povos do campo, das florestas e das águas.
“Todos os agentes que participaram hoje têm o compromisso de multiplicar estes ensinamentos para ajudar a diminuir o sofrimento do outro. Nossa gratidão a todos vocês pela parceria do projeto ACalmaMente”, concluiu Ozania Silva, da coordenação da Articulação das Pastorais do Campo.
Oficina gratuita visa o bem-estar e o autocuidado diante do cenário de violência contra comunidades tradicionais.
Por Cláudia Pereira | APC
Diante do cenário desafiador de violência contra povos e comunidades tradicionais no Brasil, a Articulação das Pastorais do Campo (APC) promove, em parceria com o Projeto ACalmaMente, a oficina virtual gratuita "Escuta e Essência: Oficinas de Apoio Psicológico e Práticas de Autocuidado". O evento online será realizado no dia 23 de maio, das 15h às 17h30 (horário de Brasília), através da plataforma Meet.
A iniciativa visa oferecer ferramentas de apoio psicológico e promover o bem-estar e o autocuidado dos agentes pastorais do campo, buscando aprimorar sua atuação. A oficina será conduzida por uma equipe multidisciplinar experiente, composta pelas psicólogas Marlene Apolinário Vieira, Maria Aparecida de Oliveira e Margeci Leal de Freitas, e pela professora de Educação Física Rita de Cássia Souza.
O Projeto ACalmaMente, idealizado durante a pandemia de COVID-19 por um grupo de psicólogos sensíveis ao impacto na saúde mental de populações vulneráveis, oferece acolhimento psicológico online gratuito. Mantendo suas atividades, o projeto tem como objetivo principal promover o bem-estar, aliviar a ansiedade e minimizar as consequências psicossociais de situações de crise, reconhecendo o impacto das injustiças sociais na saúde mental.
Agentes pastorais do campo interessados em participar da oficina "Escuta e Essência" podem se inscrever através do link de inscrição. A participação é gratuita.
Desde 2005, a Comunidade de Canabrava (MG) sofre com despejos, ameaças e criminalização, o que motivou a ocupação da SPU nesta terça-feira para exigir justiça.
Comunicação CPP Nacional
A Comunidade Tradicional Pesqueira e Vazanteira de Canabrava, localizada no Norte de Minas Gerais, ocupou a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) nesta terça-feira, 6 de maio de 2025, em uma ação para exigir dignidade, território e justiça. A comunidade, que vive às margens do rio São Francisco no município de Buritizeiro (MG), enfrenta uma escalada de conflitos territoriais desde meados dos anos 2000, incluindo despejos forçados, violência armada e criminalização de lideranças.
A ocupação, realizada em conjunto com o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (Regional Minas Gerais) e outras comunidades tradicionais quilombolas e organizações de apoio, tem como objetivo principal a emissão urgente do Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS) pela SPU/MG. A comunidade também exige uma resposta concreta e respeitosa do Estado brasileiro e das autoridades locais aos direitos dos povos das águas que vivem histórica e ancestralmente no território.
"Estamos aqui esperançando sucesso com a ocupação, há muito tempo estamos lutando essa batalha. É uma alegria eu estar aqui hoje lutando pelo nosso território com minha família, vieram os filhos e os netos. Três gerações na SPU", disse Maria Neuza Araújo Pereira, pescadora e benzedeira da comunidade Canabrava.
A ação é um ato de luta e resistência que expressa o cansaço da comunidade diante de anos de ameaças, perseguições e tentativas de expulsão. A comunidade clama por paz, reconhecimento e regularização imediata do território para seguir vivendo seus modos de vida tradicionais em harmonia com o rio e a terra.
Foto: Frei Gilvander Moreira (CPT)
Celeridade na demarcação e histórico de luta da comunidade
O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que a SPU conclua a demarcação de todas as terras da União até o final de 2025. No entanto, o processo no Norte de Minas Gerais enfrenta atrasos, com a SPU solicitando sucessivas prorrogações do prazo. A decisão segue os acórdãos 726/2013 e 1286/2021, que obrigam todas as secretarias estaduais da SPU a realizar o levantamento e o posicionamento da Linha Média das Enchentes Ordinárias (LMEO) e da Linha Preamar Média (LPM), essenciais para a delimitação dessas áreas.
A Comunidade de Canabrava tem um histórico de lutas e resistência, marcado por episódios de violência e perseguição. Em 2017, a comunidade sofreu um despejo violento, em 2023 houve uma nova tentativa de despejo e decisão suspensa. A notícia gerou forte mobilização da comunidade e de organizações de apoio, inclusive o CPP, que atuou na articulação política e jurídica para impedir a execução. Mesmo diante dos resultados da mobilização, o clima de insegurança persiste. O histórico de violações demonstra que, mesmo quando os direitos são reconhecidos judicialmente, a realidade no território continua marcada por ameaças, medo e resistência.
Em fevereiro de 2025, a Comunidade de Canabrava sofreu novos ataques à sua permanência no território: dezenas de cabeças de gado da Fazenda Pau D’Óleo invadiram a área, destruindo plantações, cercas e até a sede da associação local. Apesar dos esforços da comunidade para proteger suas roças, o manejo livre do rebanho continua avançando de forma violenta, trazendo perdas materiais, insegurança alimentar e medo constante às famílias.
O Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP) apoia a ocupação e denuncia as violações sofridas pela comunidade, reafirmando que os territórios tradicionais não estão à venda. O CPP enfatiza que o povo de Canabrava clama por paz e reconhecimento. A comunidade exige a regularização imediata do território para seguir vivendo seus modos de vida tradicionais em harmonia com o rio, com a terra e com dignidade. Basta de violência, perseguição e medo. É hora de assegurar o que já é de direito: o território tradicional de Canabrava pertence ao povo que o habita.
Fotos: João Paulo/ Pascom PS. Belém e Vitória Farias / ASCOM Movimento Providentino
Lançado em Belém (PA), a 3ª edição do Relatório de Conflitos Socioambientais detalha violações sofridas por 450 comunidades pesqueiras entre os anos de 2022 e 2024.
Por Henrique Cavalheiro | CPP
O Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP) lançou, nesta terça-feira (1º), a terceira edição do Relatório de Conflitos Socioambientais e Violações de Direitos Humanos em Comunidades Tradicionais Pesqueiras no Brasil. O evento aconteceu na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Norte 2, em Belém (PA). O evento contou com transmissão ao vivo e reuniu pescadores e pescadoras artesanais de diversas regiões do país, além de pesquisadores, organizações parceiras e representantes da Igreja. Estiveram presentes Dom José Altevir, presidente do CPP e bispo da Prelazia de Tefé (AM), e Dom Paulo Andreolli, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belém (PA).
O documento reúne dados coletados entre 2022 e 2024 e aponta um cenário de agravamento das ameaças aos povos das águas em todo o país. Foram sistematizadas informações de cerca de 450 comunidades pesqueiras em 16 estados brasileiros, revelando que mais de 32 mil famílias enfrentam situações de violações graves aos seus direitos.
Fotos: João Paulo/ Pascom PS. Belém e Vitória Farias / ASCOM Movimento Providentino
Especulação imobiliária e negligência estatal estão entre os principais agravantes dos conflitos
Segundo o relatório, 71,4% dos casos estão relacionados à especulação imobiliária, que tem promovido a invasão e privatização de territórios tradicionais e ancestrais de comunidades pesqueiras. A negligência do Estado na garantia de direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais aparece como outro fator central para a intensificação dos conflitos. Empresas privadas, agentes privados e o próprio poder público (executivo municipal e estadual) são apontados como principais responsáveis pelo acirramento das dificuldades enfrentadas pela pesca artesanal no Brasil.
Entre os impactos ambientais, destaca-se a diminuição da quantidade de pescado (77,6%) e da diversidade de espécies (69,4%), além de desmatamento e destruição de habitats (75,5%). Já os impactos socioeconômicos mais graves apontados incluem a quebra dos laços comunitários (79,6%), muitas vezes agravada por falsas promessas de grandes empreendimentos, e a descaracterização da cultura tradicional pesqueira (71,4%), que compromete saberes, práticas e modos de vida historicamente construídos pelas comunidades.
Dom José Altevir, destacou a relevância do relatório. Fotos: João Paulo/ Pascom PS. Belém e Vitória Farias / ASCOM Movimento Providentino
Mudanças climáticas já impacta a maioria das comunidades pesqueiras
O relatório também evidencia a percepção generalizada das comunidades quanto aos efeitos das mudanças climáticas: 97,3% afirmam que a crise climática já impacta diretamente seus territórios. Os principais efeitos relatados são o aumento da temperatura (72,9%), alterações nas marés (58,3%) e nos ventos (54,2%), além de enchentes e erosões associadas à diminuição do pescado e à perda de biodiversidade.
Consciência de que lutar não é em vão
O presidente do CPP, Dom José Altevir, destacou a relevância do lançamento da 3ª edição do Caderno de Conflitos Socioambientais para fortalecer a luta das comunidades pesqueiras. Segundo ele, o documento tem grande importância por permitir que as comunidades tenham mais consciência das ameaças que enfrentam e encontrem força para seguir na luta por transformações. “O caderno de conflitos socioambientais traz pra gente a consciência de que lutar não é em vão”, afirmou. O bispo ainda relacionou a publicação com o espírito do Ano Jubilar: “Neste ano da esperança, queremos com este caderno aumentar e fortalecer a esperança da comunidade pesqueira”, concluiu.
Que os pés firmes no chão se aproximem dos pés firmes nas águas
Para Francisco Nonato, secretário executivo do CPP, o relatório também cumpre um papel essencial de sensibilização da sociedade sobre quem são os povos das águas e qual o valor de seus modos de vida. Nonato também reforçou que os pescadores e pescadoras artesanais vêm se organizando para denunciar as violações em seus territórios, mas também para “anunciar outras perspectivas” de vida. Segundo ele, é necessário que a sociedade “com os pés firmes no chão” se aproxime de quem “tem os pés firmes nas águas”, numa troca de saberes que reconheça a pesca artesanal como patrimônio cultural e como parte da soberania alimentar nacional.
Relatório como instrumento de denúncia, resistência e reparação
A agente de pastoral Ornela Fortes, do CPP/Regional Nordeste II e responsável pela sistematização dos dados da terceira edição do relatório, destacou que o documento é fruto direto da presença cotidiana dos agentes nas comunidades. “O relatório é uma parte do trabalho dos agentes pastorais, que estão todos os dias com as comunidades tradicionais pesqueiras, lidando com as demandas — sejam os conflitos socioambientais ou outras questões que surgem no território. Ele é fundamental para documentar, registrar, mas também para denunciar as violações vivenciadas por essas comunidades”, afirmou.
Durante o lançamento, o procurador regional da República Felício Pontes assumiu o compromisso de dar continuidade às denúncias apresentadas no relatório. Em sua fala, destacou que o trabalho do CPP com a sistematização dos dados facilita a atuação do Ministério Público Federal. “Se essa é uma etapa que termina para o CPP com a edição do relatório, para nós é o início do trabalho. Espero que possamos fazer uma devolutiva rápida e eficaz diante de tantos conflitos sofridos pelas comunidades pesqueiras artesanais no Brasil”, afirmou Pontes.
Segundo Ornela, além de denúncia, o relatório também carrega uma dimensão de anúncio e resistência. “Existe vida, existe resistência, existem outras formas de viver os territórios tradicionais pesqueiros. O relatório traz essa potência também”, ressaltou. Ela celebrou ainda o fato de que o material já foi encaminhado ao MPF, especificamente à Sexta Câmara, por meio do procurador Felício Pontes. “É uma das perspectivas do relatório: que mais denúncias possam surgir, que o Estado tome ciência da realidade de violações e, sobretudo, que venham reparações às comunidades pesqueiras”, concluiu.
Ao final do evento, foram reafirmadas as denúncias contra propostas e empreendimentos que ameaçam diretamente os modos de vida das comunidades pesqueiras, como a PEC 03/2022 — que busca facilitar a privatização das praias —, os projetos de exploração de petróleo na Foz do Amazonas e em toda a Margem Equatorial, além da instalação de usinas eólicas no mar (offshore). Essas iniciativas, apontadas pelos participantes como formas de violação dos direitos territoriais, representam um grave ataque à soberania dos povos das águas e à sua permanência nos territórios tradicionalmente ocupados e protegidos por gerações.
Fotos: João Paulo/ Pascom PS. Belém e Vitória Farias / ASCOM Movimento Providentino
Agentes pastorais do campo concluem a 3ª turma do curso de especialização em Direito Agrário e reforçam a luta por direitos e autonomia.
Por Cláudia Pereira | APC
Na manhã do segundo sábado de março, o Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), irradiava esperança. A chuva da noite anterior cedeu lugar a um sol que iluminava o verde das árvores, que testemunhou de forma silenciosa o encontro de alunos e agentes das pastorais do campo de todas as regiões do Brasil. Defensores dos povos do campo, das florestas e das águas, se reuniam para o último módulo do curso e se preparavam para a formatura da 3ª Turma "Irmã Neusa” do curso de Especialização em Direito Agrário.
O curso é resultado da parceria entre a Articulação das Pastorais do Campo (APC) e a Universidade Federal de Goiás (UFG), por meio de convênio com a Faculdade de Direito e com o Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário (PPGDA) para agentes das pastorais que atuam na luta pelos direitos dos povos tradicionais. Em quatro grandes encontros em dois anos, o Centro de Formação Vicente Cañas foi espaço de partilha de conhecimento e resistência. Na manhã daquele sábado (15), ao abrir as portas da sala de encontro padre Paulo Günther Suess, o momento era de felicidade. Agentes e professores reunidos diante de uma mandala colorida exposta ao chão e composta por vários símbolos que representam os povos e as suas lutas, partilhavam saberes e alegrias.
Quatro encontros de longo período de estudos presenciais, alguns encontros virtuais em dois anos e muita dedicação, resultou na formação de 30 agentes, que apresentaram seus trabalhos de conclusão, nos dias 25 e 26 de março, frutos de uma caminhada que uniu a teoria acadêmica à prática da luta cotidiana.
"A monografia se identifica muito com o que é essa turma: o encontro entre a formação específica no campo do direito e a experiência de atuação dos agentes pastorais," destacou o professor Cláudio Maia, sobre a riqueza do intercâmbio.
A integração entre formação acadêmica e a atuação prática dos agentes pastorais, especialmente em um curso de direito agrário, é, para o professor Cláudio Maia da (UFG), que integra a coordenação geral dos professores do curso para agentes de pastorais do campo, um alicerce para a produção de conhecimentos e a defesa dos direitos humanos.
“Porque a partir dessa vivência e dessa troca de experiências, nós podemos criar conhecimentos que serão relevantes para a própria academia na questão de repensar a sua própria produção acadêmica e de produzir novos saberes”, disse o professor.
A terceira turma do curso de Direito Agrário, destacou-se pela diversidade e união entre os alunos. Para Marline Dassoler, missionária do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e integrante da equipe pedagógica, a turma fortaleceu laços e produziu trabalhos de conclusão notáveis. “Eles compartilharam experiências, construíram amizades sólidas e se dedicaram ao Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), resultando em apresentações mais elaboradas. A turma demonstrou um olhar mais apurado para o estudo, autocuidado e apoio mútuo, consolidando-se em vários aspectos positivos”, ressaltou Marline. Ela também pontuou a parceria entre as pastorais do campo e a UFG, que mais uma vez promoveu a troca de saberes e reconhecimento aos agentes através de formação focada e certificação acadêmica.
“Chegarmos aqui neste último módulo do curso significa que é lugar de sermos sujeitos da nossa história e ser esse lugar de fazer ciência a partir do nosso saber que vamos fortalecer a luta no território."
Saberes que transformam para fortalecer a luta com esperança
Os trabalhos de conclusão, apresentados foram marcados pela diversidade de temas e revelaram a urgência das pautas dos povos do campo. Reforma agrária, direitos humanos, crise climática, violência contra os povos tradicionais, falácia do crédito de carbono, titulação dos territórios e a ameaça de grandes empreendimentos foram alguns dos eixos das pesquisas.
Larissa Rodrigues, da Comissão Pastoral da Terra (CPT-RO), se emocionou ao falar sobre a importância da identidade e da resistência no espaço acadêmico: "Não é uma dificuldade a partir de nós, a dificuldade é macro, ela é sistêmica. Aqui é resistência. Chegarmos aqui neste último módulo do curso significa que é lugar de sermos sujeitos da nossa história e ser esse lugar de fazer ciência a partir do nosso saber que vamos fortalecer a luta no território." Larissa, em sua pesquisa, abordou os impactos de megaempreendimentos na Amazônia, analisando a construção da ponte Brasil-Bolívia sob a perspectiva dos direitos territoriais e da autonomia das comunidades locais. Por meio de entrevistas com líderes indígenas e extrativistas, a agente de pastoral destacou a ausência da consulta prévia e a necessidade de valorização das narrativas dessas comunidades.
Helson Alves, da Pastoral da Juventude Rural (PJR-PE), ressaltou a importância da agroecologia e da inclusão da juventude rural nas políticas públicas. Ele conta que, ao concluir o curso com uma visão ampliada, especialmente sobre a importância da formação no contexto da agroecologia, se sente mais fortalecido para defender as suas pautas. “A garantia de direitos, território, diversidade, equidade de gênero e a participação da juventude rural nestes espaços, convergem em objetivos comuns, o que enriquece a nossa atuação na luta por direitos em nossas bases”. Helson recortou como pesquisa o direito de inclusão da juventude rural nas políticas públicas, especialmente no Plano Nacional de Juventude. Ele enfatiza a necessidade de valorizar essa população, resgatando iniciativas que promovam seu protagonismo e participação social, após os desafios enfrentados nos últimos anos.
Rosimeire Diniz, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi-MA), compartilhou o sentimento de alegria e aptidão para enfrentar os desafios da grilagem de terras e da demarcação de territórios indígenas da sua região de atuacão. Ela apresentou a situação sobre o caso de indenização de terras do povo Akroá-Gamella, no Maranhão. O território, demarcado em 1759, sofreu grilagem e venda ilegal. Após longo processo judicial, um proprietário pode ser indenizado, enquanto uma ação de 2018 busca reconhecer a posse tradicional da terra pelos indígenas. Rosimeire sente-se mais preparada para atuar na defesa das comunidades locais. “Eu me sinto mais preparada. Sem dúvida nenhuma, eu tive acesso a conhecimentos, existem bastantes teorias que ajudam a gente a compreender os contextos em que nós estamos”, disse Meire.
Luzineide Fonseca, do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP-ES) reverberou a voz dos invisibilizados pela tragédia de Mariana, denunciando as violações sofridas pelos pescadores/as artesanais. Ela destacou em sua pesquisa especialmente em relação à saúde, com casos de câncer ligados à contaminação da água. Ela se diz satisfeita com o trabalho e a orientação recebida, e enfatiza a necessidade de aplicar o conhecimento adquirido em ações concretas para auxiliar a comunidade.
Paulo Araújo, do Serviço Pastoral do Migrante (SPM-MT), enfatiza a união entre teoria e prática para as atividades das pastorais. Ele afirma que o curso contribui para influenciar políticas públicas, e preparou os agentes para lidar com situações complexas e acolher migrantes de forma mais eficaz. Araújo incentiva a Articulação das Pastorais do Campo a manter a formação de novas turmas, sublinhando o valor da capacitação contínua para o fortalecimento da missão pastoral.
"Agora, mais do que nunca, é recebermos esse restante da sabedoria, destas luzes que nós precisamos do curso e voltar mais conscientes para as nossas comunidades, para os nossos enfrentamentos, para as nossas pastorais," resumiu Paulo, bastante emocionado.
"A formação contínua é essencial para fortalecer a autonomia e promover uma sociedade justa"
Articulação que fortalece a formação em defesa dos Povos Tradicionais
Ozania Silva, do Serviço Pastoral do Migrante (SPM) e integrante da coordenação da APC, destacou a importância da formação e a participação ativa das mulheres na defesa dos direitos. "A formação contínua é essencial para fortalecer a autonomia e promover uma sociedade justa". Ela elogiou a parceria entre as pastorais e a UFG, ressaltando o valor do conhecimento acadêmico na atuação dos agentes. Diante da beleza que foi a 3ª Turma, Ozania reforçou a importância das pastorais e organismos que formam essa articulação. Ressaltou a necessidade de combater a violência, defender políticas públicas e impulsionar a participação popular para a ação sociotransformadora.
Ela destacou ainda que as pastorais do campo ressaltaram o papel fundamental na defesa dos povos e territórios e a importância da autonomia como base para ações sociais. O curso é visto como um espaço de fortalecimento contra narrativas negativas, e um passo importante para a defesa de políticas públicas para os povos tradicionais.
O último módulo do curso contou com o apoio de organizações como o apoio da Misereor, Fundo Casa, Salve Floresta e Missionários do Verbo Divino, que contribuíram para a realização da etapa final. A organização do curso é realizada pela Articulação das Pastorais do Campo (APC), que integram a Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), Serviço Pastoral do Migrante (SPM), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Cáritas Brasileira e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Pastorais e organismos da igreja católica, unidos na luta pela justiça e o cuidado com a "casa comum".
A 3ª Turma do curso, dedicou homenagem em memória da Irmã Neusa Francisca do Nascimento, que foi aluna da segunda turma e atuou no Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP) do Norte de Minas Gerais. Irmã Neusa integrou a congregação das Irmãs da Divina Providência, faleceu em agosto de 2023 aos 55 anos e deixou um legado de luta e coragem junto aos povos e comunidades tradicionais, em especial os pescadores artesanais que vivem às margens do Rio São Francisco. “Queremos fazer do mundo um lugar bom de se viver”, essa era uma das frases que ela mais repetia em suas lutas.
A formatura da 3ª Turma do curso de Especialização em Direito Agrário "Irmã Neusa" não foi apenas uma celebração acadêmica, mas um farol de esperança para os povos do campo, das florestas e das águas, que encontram na luta por direitos a força para defender o bem viver dos povos.