quarta-feira, 1 de maio de 2024

Povos da Beira D'Água - Documentário sobre a Comunidade Quilombola de Cabaceiras

 


Nascer do sol na comunidade de cabaceiras - Foto| Cláudia Pereira - APC


A comunidade de Cabaceiras do Norte de Minas Gerais luta pelo direito de permanecer e existir em seu território

 

Por Cláudia Pereira | APC 


Há décadas a regularização fundiária é uma das lutas dos povos e comunidades tradicionais da região Norte de Minas Gerais. As violações de direitos se estendem às margens do Rio São Francisco, o velho Chico. Na busca pela conquista dos territórios, as comunidades lutam pela garantia de seus territórios de forma organizada, com apoio das pastorais do campo e com suas produções agroecológicas, valores culturais e saberes que reforçam a ligação com suas origens e com o rio São Francisco.


As pautas dos Povos e Comunidades Tradicionais do Norte de Minas Gerais são fortalecidas através da atuação da Articulação das Pastorais do Campo (APC), que é composta pelas pastorais: Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), Serviço Pastoral do Migrante (SPM), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Cáritas Brasileira e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). No ano de 2023 a comunicação da APC, que integra o coletivo de comunicadores das pastorais do campo, visitou comunidades em situação de conflitos e produziu registros audiovisuais que destacam seus momentos de luta e a preservação da sua identidade. 


Comunidade reunida para dialogar com os órgãos - Foto| João Victor - SPM


O primeiro documentário da série, que percorreu cinco comunidades da região do Norte de Minas Gerais, é o de Cabaceiras. O filme Povos da Beira D`Água – Comunidade de Cabeceiras, estreia no dia 03 de maio às 18h no canal do YouTube da Articulação das Pastorais do Campo. A comunidade localizada em Itacarambi, município a 660 km de Belo Horizonte e 230 km de Montes Claros, abriga cerca de 30 famílias que já sofreram duras pressões por parte de órgãos do estado (ICMBio) e de grileiros. As famílias vivem às margens do rio, mantendo o estilo de vida de seus antepassados. São povos vazanteiros e pescadores que lutam por seus direitos fundamentais e pelo reconhecimento como comunidade tradicional. Dependem das águas do velho Chico para plantar, pescar e partilhar o bem viver que é intrínseco para as mulheres e homens daquele chão.


Entre as dificuldades enfrentadas, a comunidade sofreu incêndios criminosos e acusações infundadas de degradação ambiental. Também foi impedida de produzir suas atividades e de construir moradias. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), aplicou diversas multas e alegou que as famílias se encontram em área de reserva ambiental. Em 2023, após um longo caminho de construção de diálogo com os órgãos responsáveis, a comunidade conseguiu realizar uma reunião em seu próprio território, com a participação da comunidade local, das pastorais do campo, Ministério Público e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio). 

Presença do Ministério Público na Comunidade - Foto| Cláudia Pereira - APC 


Uma das finalidades da presença do representante do Ministério Público Federal, das pastorais do campo na Comunidade de Cabaceiras, foi promover o diálogo com o órgão do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMbio, responsável pelo Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, situado entre os municípios de Itacarambi, Januária e São João das Missões. O parque foi criado em 1997 sem consultar as comunidades tradicionais da região. Por serem povos tradicionais, centenários e preservarem os biomas, as comunidades podem utilizar de instrumentos a exemplo do Termo de Autorização de Uso Sustentável, o TAUS. O TAUS é um passo importante para a implementação do Plano de Manejo de Áreas de Proteção Ambiental. A aquisição do Termo é um dos pontos de luta de Cabaceiras. 


O filme apresenta uma narrativa construída a partir das experiências e os processos de diálogo com os órgãos e a própria comunidade de Cabaceiras. O território que possui o certificado da Fundação Palmares, precisa defender e afirmar a todo momento a sua identidade como comunidade quilombola e vazanteiros. O documentário aborda várias questões semelhantes a outras comunidades no Brasil e destaca um dos embates que os povos de Cabaceiras ainda vivenciam: A construção do Termo de Compromisso com o ICMbio  e evidencia a relação da comunidade de vazanteiros/as e pescadores/as com o ciclo do rio São Francisco. As enchentes do rio podem trazer estragos, mas é sinônimo de fartura e Vida. 


A Constituição Federal de 1988 é um marco significativo na garantia dos direitos e proteção dos povos e comunidades tradicionais do Brasil. Através da Constituição, foram estabelecidas políticas públicas e mecanismos para assegurar, respeitar o modo de vida dos povos e comunidades em seus territórios. A regularização fundiária é um instrumento importante e articulado por meio de políticas públicas para promover ações de cidadania. No Norte de Minas Gerais, comunidades quilombolas, indígenas, vazanteiras e pescadores que vivem às margens do Rio São Francisco têm enfrentado diversas violações e lutam diariamente pela preservação ambiental e pelo direito de ser e existir. Em outubro de 2022, o Ministério Público da União ajuizou uma ação civil pública exigindo que a União identifique, demarque e cadastre as áreas de sua propriedade às margens do Rio São Francisco até o final de 2023, em 13 cidades. Para os povos a ação é de urgência e para além da garantia do uso da terra, a medida garante direitos, diminui a violência e colabora com a preservação das comunidades e o meio ambiente. Mas, infelizmente até o momento as comunidades seguem na luta pelo direito de viver e existir em seus territórios. 




Ficha Técnica:

Realização: Articulação das Pastorais do Campo

Produção e Reportagem: Cláudia Pereira | APC e João Victor | SPM 

Direção: Cláudia Pereira e Humberto Capucci 

Edição e Finalização: Humberto Capucci 

Trilha Sonora: Antônio Cardoso e Zé Pinto

Apoio: Miserior 




Audioteca - Povos e direitos de viver

 


 


 

 

Está no ar a audioteca “Povos e direitos de viver”. No primeiro episódio o destaque é para as pautas dos povos originários. Para falar sobre a importância da luta dos povos indígenas, a roda de conversa é com Kretã Kaingang, liderança indígena, um dos fundadores da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e atua nas articulações nacionais de luta pelos direitos dos povos indígenas.  A audioteca tem objetivo de conectar temas, cultura e lutas dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil. Os episódios terão roda de conversas, temas sobre a identidades dos povos e comunidades tradicionais, pautas temáticas, partilhas de saberes, informações, denúncias e as boas notícias dos povos do campo, das florestas e das águas.


A audioteca é produzida pela Articulação das Pastorais do Campo com a colaboração dos comunicadores das pastorais que integram a APC. Os episódios podem ser acessados através da plataforma do Spotify e YouTube e em breve em outros formatos para ouvir quando e onde quiser. 

 

Acesse e compartilhe: 

 Spotify - https://open.spotify.com/episode/1M2RBUoB6CdBnwtmKyue06?si=3rkX-LK9Thm8Z1KWDdrM0Q




#AudiotecaPovoseDireitodeViver

terça-feira, 30 de abril de 2024

Reflexões para o Primeiro de Maio 2024




A Comissão para a Ação Sociotransformadora da CNBB convida à reflexão e oração em comemoração ao Dia Internacional do Trabalhador e da Trabalhadora


O Comitê de Trabalho da Comissão Episcopal para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (Cepast-CNBB) oferece um subsídio, uma reflexão sobre o Primeiro de Maio, Dia Internacional do Trabalhador. O material traz um breve histórico deste dia e ressalta os desafios contemporâneos no mundo do trabalho e princípios cristãos para promover condições de vida dignas para os trabalhadores e trabalhadoras. O objetivo é contribuir com entidades e organizações que desejam celebrar de forma significativa o Primeiro de Maio.


Por meio de uma abordagem sintética sobre o trabalho, o subsídio traz elementos sugeridos pelo Papa Francisco na Encíclica Fratelli Tutti, n° 162, para “fazer germinar as sementes que Deus colocou em cada um, as suas capacidades, a sua iniciativa, as suas forças”. 


O conteúdo do subsídio recorda como encorajadora a Mensagem para o Povo Brasileiro   da 61ª Assembleia Geral da CNBB, realizada de 10 a 19 de abril deste ano.  (Clique aqui) “Em sintonia com a celebração do 1º de maio, a Igreja, inspirada por São José Operário, expressa solidariedade aos trabalhadores em suas lutas por condições de vida e trabalho dignas, assim como àqueles que enfrentam desafios antigos e novos.


Por fim, o Comitê encoraja a divulgação e reflexão do material: "Vamos compartilhá-lo com comunidades, organizações de trabalhadores e redes de amizade, ampliando assim o alcance de nossas ações, com o objetivo de fortalecer nossa luta coletiva por condições dignas de vida".


A íntegra do subsídio está disponível aqui 



segunda-feira, 29 de abril de 2024

Terra, Tempo e Luta



Foto: Thiago Walker


Declaração Urgente dos Povos Indígenas do Brasil



Nós, povos indígenas, somos o próprio tempo. Somos encantadores desse tempo que é como uma serpente, com muitas curvas, uma história que não pode ser simplificada como uma linha reta. Quem poderia imaginar que, após mais de cinco séculos de colonização e extermínio, estaríamos aqui, firmes como nossas florestas, entoando nossos cantos e tocando nossos maracás, em resistência pela vida e pelo bem viver de toda a sociedade. 20 anos de Acampamento Terra Livre! O primeiro, realizado em 2004, reuniu 240 indígenas. Hoje, em Brasília, estamos aqui com cerca de 9 mil pessoas, representando mais de 200 povos, que vieram de todas as regiões e biomas desse território brasileiro para dizer: ‘NOSSO MARCO É ANCESTRAL! SEMPRE ESTIVEMOS AQUI!’


Entre os dias 22 e 26 de abril, estivemos na capital federal mobilizados para reivindicar nossos direitos! Nós da da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em conjunto com todas as nossas organizações regionais de base, Apoinme, Arpinsul, Arpinsudeste, Aty Guasu, Comissão Guarani Yvyrupa, Coiab e o Conselho do Povo Terena, buscamos medidas efetivas que assegurem a proteção e o fortalecimento dos direitos indígenas, alinhadas com a dignidade e a justiça reivindicadas por nossos povos.


Começamos nossa mobilização histórica reivindicando 25 pontos, que estão na ‘Carta dos Povos Indígenas do Brasil aos Três Poderes do Estado’, com exigências para medidas urgentes. E finalizamos nossa mobilização reafirmando essas urgências!  NOSSO TEMPO É AGORA! Já não podemos esperar mais tempo e precisamos de respostas concretas! 


A decisão deliberada dos poderes do Estado de suspender a demarcação das terras indígenas e de aplicar a lei 14.701 (Lei do Genocídio Indígena) equivale a uma DECLARAÇÃO DE GUERRA contra nossos povos e territórios. Isso representa uma quebra no pacto estabelecido entre o Estado brasileiro e nossos povos desde a promulgação da Constituição de 1988, que reconheceu exclusivamente nossos direitos originários, anteriores à própria formação do Estado brasileiro. 


Alertamos que essa ruptura intencional resultará no aumento das violências e das políticas e práticas de genocídio historicamente promovidas tanto pela sociedade quanto pelo próprio Estado contra os povos indígenas. Desde os períodos mais remotos da história até os dias atuais, incluindo o legado sombrio da ditadura militar, cujas consequências ainda ecoam em nossas vidas.


Também ressaltamos que, assim como fizeram nossos ancestrais, resistiremos até o fim, mesmo que isso signifique colocar em jogo nossas próprias vidas, para proteger o que é mais sagrado para nós: nossa Mãe Terra. Estamos comprometidos com o direito de viver com dignidade e liberdade, buscando o bem viver das gerações atuais e futuras dos nossos povos e da humanidade.


O que nos preocupa não é a morte. Esta, nós conhecemos de perto. Morte e vida são parte dessa serpente do tempo que transita sobre a terra, dentro das águas e na copa das árvores mais altas. O que nos preocupa é a covardia de quem tenta dominar o tempo indomável e busca lucrar com as nossas mortes. Nesta declaração afirmamos: NÃO HÁ MAIS TEMPO PARA VOCÊS! 


Rejeitamos veementemente qualquer tentativa do governo federal de retomar políticas públicas sem garantir o essencial: a demarcação, proteção e sustentabilidade dos territórios indígenas em primeiro lugar. Qualquer iniciativa que não priorize esses aspectos será apenas uma medida paliativa e insuficiente. É fundamental que a demarcação de terras seja respeitada e protegida, sem desvios ou manipulações, incluindo ações que visem desvirtuar esse processo, como as declarações recentes do presidente Lula. Os direitos territoriais dos povos indígenas são INEGOCIÁVEIS e devem ser preservados a todo custo.


No primeiro dia de mobilização do ATL, uma decisão do Ministro Gilmar Mendes, relator de ações sobre a Lei do Genocídio Indígena (14.701), evidenciou mais uma vez sua parcialidade favorável aos ruralistas e historicamente anti-indígena. Apesar de reconhecer que a Lei contraria decisões feitas pelo STF sobre terras indígenas, Mendes, ao invés de anular a Lei, ele suspendeu todas as ações que visam garantir a manutenção dos direitos indígenas. Além disso, ele submeteu ao núcleo de conciliação do Tribunal a questão dos direitos fundamentais dos povos indígenas e mais uma vez afirmamos:


NOSSOS DIREITOS NÃO SE NEGOCIAM! O ministro quer assim dar sinal verde para os que querem invadir nossas terras passarem a boiada sobre nossas vidas. Diante dessa decisão anti-indígena que foi feita por um único ministro, RESTA SABER SE TODOS OS DEMAIS MINISTROS E MINISTRAS DO STF IRÃO SE ACOVARDAR OU IRÃO SER CONTRÁRIOS A ESSA DECISÃO DE MORTE! 


Jamais aceitaremos a legalização do genocídio contínuo de nossos povos. Da mesma forma, repudiamos veementemente a abertura de nossos territórios a empreendimentos que contrariam a urgência da crise climática e do aquecimento global. Tais empreendimentos representam uma ameaça direta à mãe natureza, às florestas, aos nossos rios, à biodiversidade, à fauna e à flora, assim como a todas as riquezas e formas de vida que preservamos ao longo de milênios. Se há recursos disponíveis para compensar invasores, por que não utilizá-los para demarcar as Terras Indígenas? Se houver necessidade de comprar terras, que seja para reassentar os invasores, e não deslocar nossos povos de suas terras originárias. PRESIDENTE LULA, NÃO QUEREMOS VIVER EM FAZENDAS! É preciso impedir que Rui Costa, Ministro Chefe da Casa Civil, siga “mandando” sobre as homologações de Terras Indígenas. 


Não admitimos esta situação. Estaremos vigilantes para que o Presidente Lula cumpra o compromisso de instalar, em um período de 15 dias, uma Força-Tarefa, composta por Ministério da Justiça, Ministério dos Povos Indígenas, Secretaria-Geral da Presidência e Advocacia Geral da União, para dialogar com os Três Poderes e demarcar definitivamente todas as nossas terras. Esperamos, ainda, que essa Força-Tarefa conte com participação efetiva de nossos povos e organizações. 


Lutamos pela terra, porque é nela que cultivamos nossas culturas, nossa organização social, nossas línguas, costumes e tradições. E, principalmente, está nas nossas terras e territórios o nosso direito de permanecermos indígenas. Somos cidadãos de direitos, somos nossos próprios representantes, aldeamos a política e continuaremos a demarcar o Brasil.


NOSSO MARCO É ANCESTRAL. SEMPRE ESTIVEMOS AQUI. E SEMPRE ESTAREMOS AQUI! SEM DEMARCAÇÃO NÃO HÁ DEMOCRACIA!


Acampamento Terra Livre, Brasília, 26 de abril de 2024



Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)


Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme)


Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul)


Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (Arpinsudeste)


Assembleia Geral do Povo Kaiowá e Guarani (Aty Guasu)


Comissão Guarani Yvyrupa


Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) 


Conselho do Povo Terena


Foto: Thiago Walker


*Texto originalmente do site da Apib

sábado, 27 de abril de 2024

Delegação da CNBB visita comunidades afetadas pela mineração no Vale do Ribeira de São Paulo e Paraná


Fábrica Supremo Secil Cimentos que explora minério em Adrianópolis (PR) - Foto: Cláudia Pereira - APC


Os povos do Vale lutam pelo direito de permanecer e produzir em seus territórios e denunciam empresas mineradoras


Por Cláudia Pereira | APC

 

Percurso de três dias por estradas sinuosas, incluindo trechos de asfalto e terra, travessia de balsa, paisagens deslumbrantes e acolhimento caloroso dos povos dos quilombos e das cidades com suas produções agroecológicas. Neste trajeto existem beleza, fé e luta em defesa da vida e da casa comum. A Comissão Especial para Ecologia Integral e Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CEEM-CNBB), em parceria com organizações religiosas, movimentos e coletivos, estiveram reunidos entre os dias 20 e 22 de abril em visita às comunidades quilombolas e população da cidade atingidas por barragens na região do Vale do Ribeira. A região, localizada entre os estados de São Paulo e do Paraná, possui dezenas de povos e comunidades tradicionais formados por indígenas, caiçaras e quilombolas que são impactados por empreendimentos de mineração e sofrem com a discriminação do racismo ambiental.  


A visita atendeu um convite das organizações que atuam nas comunidades do Vale do Ribeira SP/PR, teve como objetivo proporcionar momentos de escuta e conhecer melhor a situação das comunidades e os danos socioambientais causados pelas mineradoras.  Ao visitar as realidades locais, a delegação contribuiu para dar visibilidade às reivindicações e avaliar encaminhamentos. Além das mineradoras afetarem os territórios dos povos e comunidades tradicionais, os empreendimentos avançam contra as comunidades da cidade, como é o caso de Adrianópolis (PR), que faz divisa com o estado de São Paulo.


Junto à Comissão Especial para Ecologia Integral e Mineração (CEEM), integraram a delegação a Rede de Congregações Religiosas Vivat-Brasil, o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), as Irmãs de Santa Cruz, as Irmãs de Jesus Bom Pastor - Pastorinhas, a Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira SP/PR (EAACONE), o Movimento de Ameaçados por Barragens do Vale do Ribeira SP/PR (MOAB) e o coletivo Formigas Adrianópolis do Paraná. A delegação contou com a presença de Dom Norberto Förster, bispo da Diocese de Ji-Paraná, Rondônia e que integra a (CEEM-CNBB) e encerrou com o encontro com Dom Manoel Ferreira dos Santos, MSC, bispo diocesano de Registro (SP).


Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 35% da população da região do Vale do Ribeira é formada por povos quilombolas, ou seja, trata-se de um povo centenário e pertencente àquele chão. Os povos tradicionais da região, que são organizados e mantêm articulações com os organismos da Igreja, além do reconhecimento como povos tradicionais, reivindicam reparação das violações, acesso às políticas públicas e o direito de permanecer em seus territórios. 


Ao visitar e ouvir os enfrentamentos e as lutas dos povos da região do Vale do Ribeira SP/PR, a Comissão observou que, onde existem ameaças e especulações de exploração de minério, as comunidades resistem e lutam para impedir o avanço dos projetos das mineradoras e preservam as suas atividades da agricultura sustentável. Nos locais por onde as mineradoras já se instalaram, é visível o descaso do poder público quanto do poder privado com a população mais pobre, resultando em danos ambientais graves.  Ambas as situações necessitam de maior visibilidade. A biodiversidade do Vale está ameaçada pelos grandes empreendimentos de mineração, que, no silêncio da madrugada ou à luz do dia, escoam pelas montanhas diariamente, toneladas de calcário, gesso e outros minerais. 




Comunidade quilombola de Porto Velho enfrenta a especulação do minério 

A primeira visita foi na comunidade quilombola de Porto Velho, em Iporanga (SP), que reuniu lideranças de outras comunidades. A comunidade acolheu a todos com as diversidades das produções da comunidade: frutas, mel, verduras e mandioca. Ao som de um xote em defesa do quilombo e junto às imagens dos santos festejados, a comunidade apresentou seu povo e a sua luta. Detentora de saberes e conhecedora de sua própria história, a comunidade de Porto Velho enfrenta a mineração há muitos anos. Na busca da terra prometida, na década de oitenta, ao refletir uma passagem bíblica optou por buscar sua autonomia, lutou pela titulação de suas terras e conseguiu conquistá-las. Atualmente, resiste contra a exploração de minério, que ameaça seu modo de vida, suas culturas e as produções agroecológicas. 


O território está incluído no mapeamento de pedidos de concessão para exploração de minério que abrange praticamente todo o Alto Vale do Ribeira. São mais de 120 empresas solicitando extração de mineração; alguns pedidos estão em processo, outros em análises. Nas proximidades da comunidade está em andamento a construção da ponte Itaoca que liga os estados de São Paulo e Paraná sobre o rio Ribeira, uma obra pública que certamente atenderá o escoamento da extração do minério e substituirá a travessia de balsa. 


“Esses empreendimentos ameaçam a extinção praticamente de todos os territórios dos quilombolas do Vale”


Para Osvaldo dos Santos, uma das lideranças da comunidade, a presença da Comissão da CNBB é para além da visibilidade da luta do território. Ele define que a presença da CEEM junto às demais organizações contribui para mostrar o novo modelo de escravidão que os quilombos sofrem diariamente. “Esses empreendimentos ameaçam a extinção praticamente de todos os territórios dos quilombolas do Vale. Nós somos centenários, temos direito a preservar a memória dos nossos ancestrais e nosso modo de vida. A mineração destrói sonhos, vidas e tudo que é sagrado. Lutamos pelo direito de viver em paz e pela reparação de nossos direitos” - ressaltou Osvaldo.

 

Padre Joaquim Rosa, svd, que é filho do quilombo, afirma que a presença da delegação é importante para o povo que grita por socorro. “Este momento para o Quilombo é mais um passo de enfrentamento para o povo tradicional quilombola. A Comissão escutou o clamor do povo e através de seus conhecimentos e partilha colabora com os processos de luta da comunidade e todo o território”.  Conclui o padre Joaquim. 



Comunidades quilombolas do Médio Ribeira ameaçadas

Na comunidade quilombola de André Lopes, localizada no médio Ribeira em Eldorado (SP), representantes de várias comunidades apresentaram os diversos desafios enfrentados. As comunidades destacaram a longa trajetória de luta e resistência dos povos do Vale, que garantiram conquistas e direitos dos territórios com a presença da Igreja Católica desde a década de 1970. “O momento atual não é diferente de outros tempos”, disse uma das lideranças, referindo-se à expansão das atividades mineradoras na região. Em um círculo reunido em volta de um pilão, no centro, uma faixa que enfatiza o valor do Rio Ribeira como patrimônio da humanidade, as lideranças expressaram suas principais preocupações.


Entre apontamentos, as comunidades falaram sobre as recentes abordagens do Serviço Geológico Brasileiro de Pesquisas nos territórios, do qual as comunidades vetam a entrada. A empresa, que se caracteriza como mista, cujos interesses atrelam parcerias entre o público e o privado, tem a função de pesquisar tipos de minérios, localização e processos. Depois das análises, a empresa apresenta as informações ao mercado de exploração. É uma forma grave de ameaças aos territórios. 


Nas áreas em que as mineradoras invadiram, além dos estragos, as comunidades enfrentam os avanços de grupos que ameaçam com a exploração de minérios, barragens e plantação de Pinus, que geram grandes impactos socioambientais. 


“Não bastasse tudo isso, lutamos pela demarcação e titulação de nossos territórios”


Os grandes empreendimentos, além de avançar contra as comunidades na região, desenvolvem discurso e ações persuasivas capazes de cooptar os jovens das comunidades com a promessa de melhorias de vida. Os povos locais mantêm atualizado seus conhecimentos para evitar avanço dos grandes empreendimentos e o garimpo ilegal. As comunidades buscam o diálogo com os órgãos de representação pública, para debater sobre a mineração “legal” e ilegal. As comunidades possuem um Protocolo de Consulta Prévia dos Territórios do Vale do Ribeira/SP, que fortalece a reivindicação e permanência das comunidades quilombolas, respeitando seu modo de vida. 


“Enfrentamos diversas ameaças. Além da mineração, o assédio de crédito de carbono, a privatização de parques, ameaças do próprio governo com implantação de programas que beneficiam essas empresas... os nossos recursos naturais estão ameaçados. Não bastasse tudo isso, lutamos pela demarcação e titulação de nossos territórios. A presença da CNBB aqui em nossas comunidades fortalece a nossa luta”. Afirmou André, representante de comunidades e movimentos. 


Adrianópolis: os impactos da exploração de minério no passado ainda persistem 


O município, que no passado era conhecido como Paranaí - denominação que muitos habitantes desejam retomar - foi emancipado em 1937, recebendo o nome de Adrianópolis em homenagem ao explorador de minério português Adriano Seabra da Fonseca. O empresário e proprietário da extinta fábrica Plumbum é visto por muitos como um importante promotor do desenvolvimento do município, quando, na verdade, é responsável por grande devastação. A extinta fábrica Plumbum extraiu da região chumbo e prata por aproximadamente 50 anos e encerrou suas atividades em 1995, quando secou a fonte de minério. Como consequência, a empresa deixou para trás um legado de destruição ambiental, com toneladas de resíduos minerais que contaminaram o solo, exposição de chumbo a céu aberto e nas margens do rio Ribeira, pessoas contaminadas, acidentes de trabalho e mortes de funcionários, devido às condições irregulares no ambiente de trabalho. 


A empresa foi denunciada formalmente no ano de 2011, após comprovação de pesquisas acadêmicas; em 2014, a Justiça Federal determinou à Plumbum implantar medidas de recuperação ambiental na área de sua antiga metalúrgica. Mas, o que a população observa é que nada tem sido feito. 


A fábrica Supremo Secil Cimentos se instalou nas áreas de moradia e a população sofre com a poluição. Foto| Cláudia Pereira – APC


Atualmente a população de Adrianópolis enfrenta a poluição causada pela fábrica Supremo Secil Cimentos que explora as montanhas do Vale com a retirada de calcário, um dos componentes para a fabricação do cimento. A fábrica, que foi instalada em 2015, produz mais de um milhão de toneladas de cimento por ano. Os relatos dos moradores e o que a reportagem que acompanhou a Comissão da CEEM pôde constatar in loco evidenciam o total descaso do poder público e da fábrica com a população mais vulnerável que mora ao entorno da indústria de cimento. 


“Tá cada dia mais difícil pra gente respirar aqui, por causa dessa poluição”


Os moradores dos bairros Vila Bela e do Km 04 convivem vinte e quatro horas por dia com os ruídos da fábrica e a poeira, que parece resíduo de cimento, que irrita os olhos, a garganta e a pele das pessoas. Os moradores do Km 04 convivem com o barulho e o perigo iminente de pedras caírem sobre suas casas, em razão das esteiras que transportam a matéria prima entre as montanhas para a fábrica de cimento. Os moradores relatam que ao menos duas vezes por semana há um forte odor no período noturno, quando a fábrica realiza incineração da queima de lixo. Essa incineração tem como finalidade gerar energia térmica que se transforma em energia elétrica para a fábrica. “O problema não é fazer isso para gerar energia, mas que tipo de lixo eles estão queimando?”, frisou um dos moradores. 


“Está cada dia mais difícil pra gente respirar aqui, por causa dessa poluição; fica pior quando eles queimam os resíduos para alimentar as máquinas. O cheiro é muito forte”. Denunciou um dos moradores que prefere não se identificar. Os moradores afirmam que no processo de instalação da fábrica as promessas eram de melhorias para o município e que a fábrica não iria modificar a vida das pessoas que moram nos bairros próximos à indústria. A fábrica se instalou ao lado de uma escola municipal e no meio dos bairros onde os moradores moram há décadas. 

As crianças que frequentam a escola infantil municipal, convivem com a poeira da fábrica que está instalada ao lado da escola. Foto| Cláudia Pereira – APC

“Fizeram essas correias sobre as nossas moradias sem perguntar; depois de instaladas, já caíram pedras sobre as nossas casas”


As pessoas entrevistadas relatam que a maior parte dos funcionários do Supremo Secil Cimentos são de outros municípios e o percentual de moradores que trabalham na indústria é mínimo. A justificativa que a empresa alega é que os moradores não têm capacitação suficiente para o modelo de mercado que exercem. 


“Nós moramos aqui desde 2004 aqui no bairro e quando a fábrica chegou nunca perguntaram se podia fazer isso aqui. Fizeram essas correias sobre as nossas moradias sem perguntar; depois de instaladas, já caíram pedras sobre as nossas casas. Disseram que iriam nos indenizar e colocar em outra área, agora dizem que o sistema de correias que transporta as pedras é seguro” - relatou um morador. A vida das pessoas que moram na região onde a Supremo Secil Cimentos se instalou é afetada por muitos fatores. A saúde dos moradores foi completamente afetada, muitos sentem incômodos para respirar. 


“É uma poluição visível e invisível. Quando a gente deixa objetos no quintal, no dia seguinte o material é totalmente tomado por uma crosta que não sai apenas com água e sabão, precisa colocar outras substâncias para limpar. As correias que passam sobre as nossas casas já estouraram, eles reparam o que quebram, mas isso não garante segurança. Nós estamos pedindo socorro porque as autoridades daqui não ouvem o nosso grito”. Denunciou outro morador 


Diante das violações, os moradores que se mantêm encaminharam as denúncias ao Ministério Público; o processo está em andamento e sem definição. Houve uma audiência pública no município que debateu as denúncias, mas não avançou muito na construção de diálogo com a empresa. Em resumo, desde a instalação da fábrica na cidade o impacto para a sociedade é bastante negativo. A reflexão feita pelos movimentos e organizações que enfrentam a realidade socioambiental de Adrianópolis é que todos estes crimes são praticados com anuência do Estado e com injeção de dinheiro público. Os moradores se mantêm organizados e atualizados para cobrar direitos, reparação e acesso às políticas públicas. 

                       Momento de escuta da população das comunidades de Adrianópolis (PR). Foto| Cláudia Pereira – APC

Esperança e luta em defesa da casa comum


No último dia de visitas, a delegação reuniu-se com Dom Manoel Ferreira dos Santos, MSC, bispo diocesano de Registro (SP) e compartilhou das percepções realizadas no percurso das visitas às comunidades afetadas. Representando a Comissão Especial para a Ecologia Integral e Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CEEM-CNBB), o padre Dário Bossi analisou que são vários os sujeitos que atuam no conflito. “Nós vimos comunidades quilombolas organizadas, vimos seus esforços para preservar a natureza e seus recursos, com propostas que valorizam a agroecologia, o turismo comunitário. É possível uma economia local que não dependa da mineração; o direito dos povos a dizer não à mineração é sagrado, deve ser respeitado. Nos lugares onde as mineradoras avançaram, a luta é diferente, cobrando o poder público e privado para que cumpram sua responsabilidade social e ambiental e respeitem a legislação ambiental. Frente aos danos e violações, deve haver reparação integral. A tributação das mineradoras e a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais deve estar a serviço das comunidades e administradas de forma participativa” - comentou padre Dário Bossi. 





#MinereçãoNão, #Povosecomunidadestradicionais, #QuilombolasdoValedoRibeira

quinta-feira, 25 de abril de 2024

O Brasil registra número recorde de conflitos no campo em 2023, conforme relatório da Comissão Pastoral da Terra




 

Os conflitos por terra no Brasil aumentaram 7,6% e afetaram 187.307 famílias em 2023, com 1.724 ocorrências. Esse número é o mais alto registrado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) desde o início da série histórica em 1985.



*Por comunicação CNBB 



Ao som de um lamento, ao ritmo grave e cadenciado do atabaque, três membros da Comissão Pastoral da Terra (CPT) cantaram: “Chega Mãe Bernadete, chega Edvaldo, chega Fernando, chega por aqui, eu mandei tocar chamada, foi para resistir”. Esse momento marcou o início do lançamento do Caderno Conflitos no Campo 2023, realizado na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em Brasília–DF, em 22 de abril de 2024.


Maria Bernadete Pacífico foi tragicamente assassinada em agosto de 2023 com 12 tiros no quilombo Pitanga dos Palmares, na região Metropolitana de Salvador. Por defender a mesma causa, o direito ao território, Edvaldo Pereira Rocha, líder do quilombo Jacarezinho (MA), foi assassinado em abril de 2022 com seis tiros.


Em outra situação, mas no mesmo contexto, Fernando Araújo dos Santos, um trabalhador rural sem-terra e sobrevivente do Massacre de Pau D’Arco no Pará, foi morto a tiros em janeiro de 2021. Mãe Bernadete, Edvaldo e Fernando não são exceções isoladas; no Brasil, há pessoas sendo mortas ao tentar proteger seus territórios e o meio ambiente de forças predatórias.


Sinais de esperança


O bispo auxiliar de Brasília (DF) e secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Ricardo Hoepers, deu as boas-vindas aos participantes e enfatizou que as dores, sofrimentos e mortes mencionadas no relatório representam as dores de Jesus Cristo. Ele destacou que a presença das pessoas que representam os agentes da CPT de todo o Brasil são sinais de esperança e ressurreição de Cristo. Em nome dos bispos do Brasil, dom Ricardo expressou sua gratidão pelo trabalho realizado pela CPT.


O administrador da prelazia de Itacoatiara (AM) e presidente da CPT, dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, SDV, enfatizou a importância da publicação do caderno para expor as violações de forma transparente. “O objetivo deste caderno é manter-se fiel ao Deus dos pobres e à terra que pertence a eles”, disse.


Ele ressaltou que a publicação possui uma base teológica, lembrando que Deus escuta o clamor dos pobres. Dom Ionilton destacou também a dimensão ética do material, pois a luta pela terra é uma questão de justiça que requer uma ordem social equitativa. Salientou a necessidade de uma sociedade organizada para combater a violência no campo e salvar vidas. Além disso, mencionou a importância política do caderno, auxiliando as lideranças a serem protagonistas de suas histórias com base em dados seguros e recordou que a CPT tem como missão ser parceira, não substituta, dos trabalhadores em suas lutas.


Outra dimensão do caderno, segundo o bispo, é a pedagógica porque promove transformações necessárias e históricas, mantendo vivas as lutas passadas e inspirando as futuras gerações. Por fim, destacou que o conteúdo possui embasamento científico, passando por processos rigorosos de levantamento e consolidação de dados antes da publicação, incluindo averiguações, confirmações e análises.




Dos conflitos no Brasil


Dos 2.203 conflitos no campo registrados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) em 2023, no relatório Conflitos no Campo Brasil, a maior parte é relacionada aos conflitos por terra (78,2%), representando 1.724 ocorrências. Em relação ao ano de 2022, houve um aumento de 7,6% no número de ocorrências nesse eixo, em que 187.307 famílias tiveram suas vidas impactadas pelas violências desse tipo de conflito.


Os números revelam uma intensificação da violência contra os povos da terra, das águas e das florestas, que vivem sob a mira dos conflitos no campo no Brasil. Do total de conflitos por terra em 2023, 92,1% é referente às Violências contra a Ocupação e a Posse e/ou contra a Pessoa (1.588), representando um aumento de 4,3% nos registros de violência nesse eixo em relação ao ano anterior.


Subvertendo tamanha violência, os povos e comunidades do campo somam ações coletivas de resistências. As novas Ocupações/Retomadas (119) e os novos Acampamentos (17) superaram em 60,8% e 240%, respectivamente, os números de 2022. As ações de Retomada foram protagonizadas por indígenas (22) e quilombolas (3), já as ocupações (94) foram realizadas pelas demais identidades sociais camponesas. Os sem terra e posseiros foram responsáveis por todos os novos Acampamentos em 2023, que representam um aumento expressivo em relação ao ano anterior, mas ainda demonstram números tímidos em relação aos dados alarmantes de violências contra as comunidades, que cresceram intensamente neste mesmo período.


Em 2023, a discrepância entre os números de violência e ações de resistências nos conflitos por terra continuou na tendência de crescimento iniciada em 2016. Este ano, os registros apontam 92,1% correspondente às violências, enquanto as ações de resistências representam apenas 7,9% das ocorrências. As análises presentes no relatório apontam que esse quadro é resultado da escalada da extrema direita, com a reconfiguração das forças políticas e econômicas após o Golpe/Impeachment, somada ao trágico e criminoso governo Bolsonaro, que promoveu uma verdadeira política de ódio contra os povos e comunidades do campo, das águas e das florestas, os tornando ainda mais vulnerabilizados, como expresso nos dados dos últimos anos.


Este contexto sociopolítico não apenas permitiu, como preparou o terreno para que o agronegócio avançasse inescrupulosamente contra as comunidades do campo, que enfrentam cotidianamente invasões de suas terras e territórios, pistolagem, incêndios criminosos, contaminação por agrotóxicos, grilagem e desmatamento, entre tantos impactos sofridos pelos povos em defesa de seus modos de vida, dos direitos humanos e da natureza. Agrupando as categorias de agentes causadores de violências identificados como fazendeiros, grileiros e grandes arrendatários, em 2023, foram registradas ocorrências de pistolagem (165), invasão (181), grilagem (86), desmatamento ilegal (67), incêndios (34) e contaminação por agrotóxicos (21) como algumas das violências promovidas por eles no Eixo Terra.


Geografia dos conflitos por terra


Dos estados em que mais se registraram conflitos por terra, destacam-se a Bahia (202 ocorrências), seguida do Pará (183), Maranhão (171), Rondônia (162) e Goiás (140). Do recorte por região, a que apresenta maiores números de conflitos por terra é a região Norte (700 ocorrências), que acumula 40,6% do total, seguida da Nordeste (530), representando 30,7%. A região Centro-Oeste registrou 300 ocorrências (17,4%), a Sudeste obteve 106 registros (6,1%), e a região Sul, com 88 (5,1%).


Principais causadores das violências


Em 2023, o principal agente causador das violências no Eixo Terra foi o Fazendeiro, responsável por 31,17% das violências, seguido da categoria Empresário, com 19,71%, o Governo Federal, com 11,02%, Grileiro, com 9,06% e o Governo Estadual, com 8,31%. Houve uma diminuição nos números de violências causadas pelo Governo Federal, passando de 240, em 2022, para 175 ocorrências, em 2023, uma diminuição de 27,1%.


Nesse, o tipo de Violência contra a Ocupação e a Posse denominada Omissão/Conivência cujo Governo Federal foi o agente causador diminuiu de 214 ocorrências, em 2022, para 165, em 2023 (-22,9%). Algumas mudanças de atuação do novo governo podem justificar a diminuição desses números, com a abertura de canais de diálogos com movimentos e organizações de luta no campo, como a criação do Ministério dos Povos Indígenas e do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).


Já em relação aos Governos Estaduais, os dados revelam um aumento de 109,5% no número de violências causadas, passando de 63 ocorrências, em 2022, para 132, em 2023. Foram 13 tipos de violência protagonizados por este agente causador, com destaque para Omissão/Conivência (58 ocorrências) e as ações policiais de intimidação armada e ameaças variadas (103 ocorrências). Em 2023, os estados de Goiás e Bahia estiveram à frente neste recorte de categoria que causou a ação.


Indígenas e posseiros são as principais vítimas


É sempre válido enfatizar que os dados não são apenas números, é preciso humanizá-los. Os registros da CPT evidenciam a intensidade e os tipos de violência a que estão submetidos os povos do campo, das águas e das florestas. Por trás dos números dos conflitos está o martírio de famílias, povos e comunidades que vivem uma rotina de ataques contra suas vidas e suas terras e territórios. Povos que sofrem com ameaças, expulsão, destruição de suas casas, pertences e roçados, despejos e outras diversas violências já mencionadas.


Como no ano anterior, os Indígenas continuam a ser a categoria que mais sofreu violência no Eixo Terra, com 29,6% do total de violências registradas. Desde 2019, os povos originários aparecem nos registros da CPT como a categoria que mais vem sofrendo violências nesse eixo. Em 2023, não foi diferente: com um crescimento de 10,8% em relação a 2022, os indígenas foram as vítimas em 470 ocorrências de violências por terra.


Em número de ocorrências, seguem os Posseiros (18,7%), os Sem Terra (17,5%), os Quilombolas (15,1%), e os Assentados (6,7%). O relatório destaca um aumento de 61,6% das violências sofridas pelos sem terra, passando de 172 ocorrências em 2022, para 278 em 2023. Esse aumento pode ser decorrente do crescimento do número de novas ocupações e acampamentos, uma vez que nos territórios em que houve estas ações de resistências foram registradas, em 2023, 96 ocorrências de Violência contra a Ocupação e a Posse, 34,5% do total das violências sofridas pelos sem terra.




A rotina de ataques contra povos e comunidades


Os dados levantados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc-CPT) permitem aprofundar nos tipos de violência sofridas pelas comunidades no contexto da luta pela terra. Como nos últimos dez anos, Invasão é o tipo de Violência contra a Ocupação e a Posse com o maior número de registros em 2023. Foram 359 ocorrências de invasões no ano, que afetaram 74.858 famílias.


O ano de 2023 também foi o que mais se registrou ocorrências de Expulsão no último decênio e o segundo em que mais se registrou famílias expulsas dos territórios. Foram 37 ocorrências, que envolveram 2.163 famílias. Destaca-se que, dessas 37 ocorrências, 59,4%, contaram com algum tipo de apoio das forças policiais, evidenciando a respaldo dessas forças no processo de retirada das famílias das áreas, sem que houvesse a mediação do Poder Judiciário.


Outro tipo de violência que se destacou foi em relação às ocorrências de Despejo Judicial, com aumento de 194,1%, passando de 17, em 2022, para 50 em 2023. O crescimento sucede um período de diminuição dos casos, devido a suspensão dos despejos coletivos, proposto na Arguição de Descumprimento de Poder Fundamental (ADPF) 828, entre meados de 2020 e final de 2022, com o intuito de evitar os impactos maiores da pandemia junto às populações vulneráveis. Passado esse período, percebe-se que a atuação de fazendeiros e empresários do campo segue respaldada pelo Poder Judiciário, voltando fortalecida em 2023.


Em relação às ocorrências de Grilagem, em 2023 foram registrados 152 casos, envolvendo 29.797 pessoas. Desses, 25% ocorreram em territórios indígenas (38 ocorrências), e 26,3% ocorreram em terras de famílias posseiras. Os casos de Pistolagem registraram um aumento de 45%, com 264 ocorrências. Dessas, 113 contaram com algum apoio das forças policiais. Os sem terra foram os principais alvos das ações de Pistolagem, representando 130 ocorrências, seguidos pelos posseiros (49), indígenas (47) e quilombolas (19). Os números de Desmatamento Ilegal e Incêndios caíram em 2023, com redução de 33,3% e 38,6%, respectivamente. Foram registradas 27 ocorrências de contaminação por agrotóxicos no Eixo Terra, com 2.068 famílias atingidas no ano.


Conflitos pela Água representam 10,21% dos conflitos. Nos últimos anos, verifica-se uma queda nas ocorrências de Conflitos pela Água, após um pico de registro em 2019, o que demonstra os impactos dos crimes de Mariana, Brumadinho e do vazamento de petróleo de um navio cargueiro no litoral brasileiro naquele ano. Em 2023, as ocorrências de conflitos no Eixo Água chegaram a 225, número 1,32% menor que os 228 registrados em 2022.


A região Nordeste concentra o maior número de Conflitos pela Água, com 71 ocorrências. Entre os estados com mais registros, estão o Paraná (44), a Bahia (34), o Maranhão (22) e o Pará (22). Dentre os causadores das violências contra as comunidades nesse eixo, o Fazendeiro ficou em primeiro lugar, com 27,56%, seguido por Empresário nacional e internacional, com 21,33%, do Governo Estadual, com 19,56%, e Mineradora nacional e internacional, com 10,22%. As cinco categorias de identidades sociais que mais sofreram com ações violentas foram os Indígenas (24,44%), Pescadores (21,78%), Ribeirinhos (13,33%), Quilombolas (12,44%) e Assentados (8,44%).


A principal Situação de Conflito pela Água registrada em 2023 foi o Não Cumprimento de Procedimentos Legais (78 ocorrências), decorrente da violação de direitos das comunidades, que são atacados por inúmeras formas de projetos de empreendimentos que têm a água como objetivo central de atuação. Em seguida, as situações de Destruição e/ou Poluição (56), sendo a maioria decorrente do Uso e Preservação (46 ocorrências).


Os registros de Diminuição de Acesso à Água somaram 37 ocorrências em 2023, que representam as várias dificuldades criadas às comunidades para acessarem os corpos d’água. A Contaminação por Agrotóxico resultou em 26 ocorrências de conflitos pela água, um aumento de 52,9% em relação aos números de 2022. Os conflitos pela água são permeados por denúncias por parte de povos, comunidades e organizações sociais aos projetos de empreendimentos predatórios, uma vez que atuam por meio da apropriação, contaminação, privatização e mercantilização desse bem comum.





*Texto - Osnilda Lima, com informações da Comissão Pastoral da Terra. Fotos - Imagens: Rodolfo Santana / Cáritas Brasileira Texto publicado originalmente no  site Cepast-CNBB 


quinta-feira, 18 de abril de 2024

Comissão da CNBB divulga manifesto diante aos fatos relacionados ao tráfico de pessoas no Pará e Rio Grande do Sul

 



 A nota exige celeridade nas investigações das denúncias e punição aos responsáveis pelos crimes

 


Por Comunicação | CEETH

 

Nesta semana os veículos de comunicação brasileiro anunciaram fatos relacionados ao crime de tráfico de pessoas que chocaram a sociedade. Corpos em decomposição foram encontrados em uma embarcação à deriva no estado do Pará e trabalhadores recebiam pedras de crack como forma de pagamento no estado do Rio Grande do Sul. Os fatos envolvem migração forçada e situação de trabalho escravo contemporâneo. A Comissão Episcopal Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CEETH-CNBB), divulgou um manifesto exigindo celeridade nas investigações das denúncias e punição aos responsáveis pelos crimes.

 

 

A nota destaca as denúncias que revelam sinais de violações aos direitos humanos e a preocupação diante ao número crescente da migração forçada em todo o mundo. “Basta de escravidão! Não podemos mais aceitar a perpetuação desse crime terrível, que afeta várias pessoas: crianças, mulheres, trabalhadores…, muitas pessoas exploradas; todas vivem em condições desumanas e sofrem a indiferença e o descarte da sociedade”. Diz um trecho da nota.

 

Referente aos fatos denunciados pela imprensa estão em processo de investigação. Os corpos encontrados cerca de 215 quilômetros de Belém (PA), na região de Bragança, a Marinha informa que a embarcação não aparenta danos e ainda passa por perícia. A Polícia Federal informou que os documentos encontrados indicam que as vítimas têm origem da África. Os homens resgatados da situação de trabalho escravo em Taquara, região Metropolitana de Porto Alegre/RS, um suspeito foi preso por recrutar os trabalhadores e os trabalhadores encaminhados para os serviços de apoio.

 

 

Leia o manifesto na Íntegra ou se preferir, baixe o documento.