Vista aérea da comunidade de Cabaceira MG - Imagem| APC |
Com o novo certificado, a comunidades do Norte de Minas adquire mais instrumento para regularizar seu território e garantir seus direitos e a sua tradição cultural e ambiental
Por Cláudia Pereira | APC
A comunidade de Cabaceiras, localizada em Itacarambi, Norte de Minas Gerais, obteve importante conquista no final de novembro. A comunidade recebeu o Certificado de Autodefinição, emitido pela Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais (CEPCT-MG). Esse documento que integra uma política estadual instituída em 2014, representa um marco no processo de luta pela titulação do território.
O documento significa um avanço no processo de demarcação territorial. O certificado de Autodefinição é porta de entrada para a comunidade garantir o direito de continuar praticando suas atividades tradicionais, como a pesca e a agroecologia, preservando seu patrimônio cultural e ambiental para as futuras gerações.
“A conquista deste certificado para a comunidade de Cabaceira, após anos de luta é muito importante. Desde 2020 nós vivemos diversos desafios para ter esse direito. Temos que celebrar. E agora começa mais um caminho de luta”, disse Marinalva Mendes, uma das lideranças da comunidade.
O estado de Minas Gerais instituiu a Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais através do decreto (46.671) e a Lei nº 21.147/14, que estabelece a Política Estadual para os povos tradicionais. Processos instituídos no ano de 2014, mas só foram regulamentados em 2017.
Ambas as iniciativas visam garantir os direitos e o desenvolvimento sustentável dos povos tradicionais mineiros, incluindo a emissão de certidões de autorreconhecimento, resultado de uma luta dos povos. Além do reconhecimento de comunidades quilombolas e indígenas, a lei determina o estado de Minas Gerais certificar o autorreconhecimento das comunidades que se autodefine como pesqueiras, vazanteiras, geraizeiras, catingueiras, apanhadoras de flores sempre-viva, entre outras.
Certificado de Autodefinição recebido pela CEPCT-MG |
Os processos da política estadual para garantir direitos
“Essa conquista não foi um presente do governo, mas resultado de muita pressão e espera”
Essa política estadual permite que o Estado emita certificados de reconhecimento para comunidades tradicionais, assim como a Fundação Palmares faz para as comunidades quilombolas. Além disso, o Estado pode auxiliar na regularização dos territórios das comunidades e garantir seus direitos. A comunidade de Cabaceiras que já possui o certificado da Fundação Palmares, agora possui estes dois importantes documentos, frutos da luta pelo direito de existir e permanecer.
O certificado recebido pela comunidade de Cabaceiras no Norte de Minas é a porta de entrada para um longo processo burocrático de regularização fundiária. Um dispositivo legislativo concedido após intensa luta e mobilização das comunidades e das organizações que apoiam os povos, uma vez que o governo de Minas Gerais tende a priorizar a regularização individual, ao invés da coletiva para povos e comunidades tradicionais.
“Essa conquista não foi um presente do governo, mas resultado de muita pressão e espera”, disse o agente jurídico Fernando Soares da Comissão Pastoral da Terra (CPT-MG), ao falar sobre a conquista do certificado da comunidade de Cabaceiras.
Fernando destaca a importância da certificação para a comunidade de Cabaceiras, enquanto Pesqueira e Vazanteira, que abre caminhos para a regularização fundiária. “Com essa certidão, a comunidade pode solicitar a regularização fundiária não apenas ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), por meio da certificação da Fundação Palmares, mas também pode acionar a regularização por meio do governo de Minas, ampliando as possibilidades de garantir seus direitos territoriais”, afirmou o agente jurídico.
A comunidade de Cabaceiras pode ter alcançado um feito inédito em Minas Gerais: a obtenção de duas certificações oficiais, reconhecendo sua identidade, tanto como comunidade pesqueira e vazanteira, pelo governo estadual, quanto como quilombola, pelo governo federal. Essa dupla certificação é um marco importante, pois demonstra a complexidade e a riqueza de suas raízes culturais e históricas.
Comunidade reunida na Associação para a mesa de diálogo. Imagem: acervo da comunidade de Cabaceira |
É importante ressaltar que o pedido de certificação da comunidade de Cabaceiras foi feito em 2020. No entanto, a Comissão Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais, responsável por analisar esses pedidos, enfrentou paralisações devido à resistência do governo Zema e à pandemia. Após quatro anos de espera, a de Cabaceiras e outras comunidades tradicionais do Norte de Minas estão tendo encaminhamentos de suas certidões.
“Foi muita luta para conquistarmos esse documento, várias reuniões na mesa de diálogo com as pastorais e junto ao presidente da Comissão de Povos e Comunidade Tradicional em Belo Horizonte. Nesse tempo, além dessa luta para obter esse documento, nós enfrentávamos incêndios criminosos e perseguições no território”, disse uma das lideranças da comunidade.
O governo estadual demonstra um maior interesse em regularizar lotes individuais do que em reconhecer e garantir os direitos territoriais de comunidades tradicionais de forma coletiva. Diante desta realidade a comunidade de Cabaceiras e todas as comunidades que estão neste processo estão em vigília constante. A comunidade segue na luta, mobilizada e ainda mais organizada.
“A comunidade é consciente que essa vitória não veio de graça, não chegou como se fosse um presente do governo de Minas Gerais. Veio depois de muita pressão, mobilização e de muitos anos de espera”, disse Fernando Soares
É importante ressaltar que os processos de regularização fundiária para uma comunidade quilombola percorre um caminho longo e burocrático. A Comunidade de Cabaceiras ainda está no primeiro estágio que é o reconhecimento a autodefinição da comunidade. Um dos passos deste processo após a certificação, é a elaboração da Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), que passará por outras etapas até chegar ao reconhecimento do território como quilombola.
Este ano foi lançado um documentário sobre a luta da comunidade pela regularização fundiária. O filme Povos da Beira D`Água – Comunidade de Cabaceiras, destaca os processos e enfrentamentos em uma roda de diálogo com órgãos do governo para garantir seus direitos. O documentário tem sido uma ferramenta na luta pelo direito da comunidade.
Foto| Cláudia Pereira - APC |
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