quarta-feira, 26 de março de 2025

Formação em Direito Agrário ilumina a luta pelos direitos dos povos tradicionais

3ª Turma do curso - Foto: Cláudia Pereira 

Agentes pastorais do campo concluem a 3ª turma do curso de especialização em Direito Agrário e reforçam a luta por direitos e autonomia.


Por Cláudia Pereira | APC


Na manhã do segundo sábado de março, o Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), irradiava esperança. A chuva da noite anterior cedeu lugar a um sol que iluminava o verde das árvores, que testemunhou de forma silenciosa o encontro de alunos e agentes das pastorais do campo de todas as regiões do Brasil. Defensores dos povos do campo, das florestas e das águas, se reuniam para o último módulo do curso e se preparavam para a formatura da 3ª Turma "Irmã Neusa” do curso de Especialização em Direito Agrário. 


O curso é resultado da parceria entre a Articulação das Pastorais do Campo (APC) e a Universidade Federal de Goiás (UFG), por meio de convênio com a Faculdade de Direito e com o Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário (PPGDA) para agentes das pastorais que atuam na luta pelos direitos dos povos tradicionais. Em quatro grandes encontros em dois anos, o Centro de Formação Vicente Cañas foi espaço de partilha de conhecimento e resistência. Na manhã daquele sábado (15), ao abrir as portas da sala de encontro padre Paulo Günther Suess, o momento era de felicidade. Agentes e professores reunidos diante de uma mandala colorida exposta ao chão e composta por vários símbolos que representam os povos e as suas lutas, partilhavam saberes e alegrias. 


Quatro encontros de longo período de estudos presenciais, alguns encontros virtuais em dois anos e muita dedicação, resultou na formação de 30 agentes, que apresentaram seus trabalhos de conclusão, nos dias 25 e 26 de março, frutos de uma caminhada que uniu a teoria acadêmica à prática da luta cotidiana.

"A monografia se identifica muito com o que é essa turma: o encontro entre a formação específica no campo do direito e a experiência de atuação dos agentes pastorais," destacou o professor Cláudio Maia, sobre a riqueza do intercâmbio.  

A integração entre formação acadêmica e a atuação prática dos agentes pastorais, especialmente em um curso de direito agrário, é, para o professor Cláudio Maia da (UFG), que integra a coordenação geral dos professores do curso para agentes de pastorais do campo, um alicerce para a produção de conhecimentos e a defesa dos direitos humanos. 

“Porque a partir dessa vivência e dessa troca de experiências, nós podemos criar conhecimentos que serão relevantes para a própria academia na questão de repensar a sua própria produção acadêmica e de produzir novos saberes”, disse o professor. 


A terceira turma do curso de Direito Agrário, destacou-se pela diversidade e união entre os alunos. Para Marline Dassoler, missionária do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e integrante da equipe pedagógica, a turma fortaleceu laços e produziu trabalhos de conclusão notáveis.  “Eles compartilharam experiências, construíram amizades sólidas e se dedicaram ao Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), resultando em apresentações mais elaboradas. A turma demonstrou um olhar mais apurado para o estudo, autocuidado e apoio mútuo, consolidando-se em vários aspectos positivos”, ressaltou Marline. Ela também pontuou a parceria entre as pastorais do campo e a UFG, que mais uma vez promoveu a troca de saberes e reconhecimento aos agentes através de formação focada e certificação acadêmica.





“Chegarmos aqui neste último módulo do curso significa que é lugar de sermos sujeitos da nossa história e ser esse lugar de fazer ciência a partir do nosso saber que vamos fortalecer a luta no território."


Saberes que transformam para fortalecer a luta com esperança

Os trabalhos de conclusão, apresentados foram marcados pela diversidade de temas e revelaram a urgência das pautas dos povos do campo. Reforma agrária, direitos humanos, crise climática, violência contra os povos tradicionais, falácia do crédito de carbono, titulação dos territórios e a ameaça de grandes empreendimentos foram alguns dos eixos das pesquisas.

Larissa Rodrigues, da Comissão Pastoral da Terra (CPT-RO), se emocionou ao falar sobre a importância da identidade e da resistência no espaço acadêmico: "Não é uma dificuldade a partir de nós, a dificuldade é macro, ela é sistêmica. Aqui é resistência. Chegarmos aqui neste último módulo do curso significa que é lugar de sermos sujeitos da nossa história e ser esse lugar de fazer ciência a partir do nosso saber que vamos fortalecer a luta no território." Larissa, em sua pesquisa, abordou os impactos de megaempreendimentos na Amazônia, analisando a construção da ponte Brasil-Bolívia sob a perspectiva dos direitos territoriais e da autonomia das comunidades locais. Por meio de entrevistas com líderes indígenas e extrativistas, a agente de pastoral destacou a ausência da consulta prévia e a necessidade de valorização das narrativas dessas comunidades.


Helson Alves, da Pastoral da Juventude Rural (PJR-PE), ressaltou a importância da agroecologia e da inclusão da juventude rural nas políticas públicas. Ele conta que, ao concluir o curso com uma visão ampliada, especialmente sobre a importância da formação no contexto da agroecologia, se sente mais fortalecido para defender as suas pautas. “A garantia de direitos, território, diversidade, equidade de gênero e a participação da juventude rural nestes espaços, convergem em objetivos comuns, o que enriquece a nossa atuação na luta por direitos em nossas bases”. Helson recortou como pesquisa o direito de inclusão da juventude rural nas políticas públicas, especialmente no Plano Nacional de Juventude. Ele enfatiza a necessidade de valorizar essa população, resgatando iniciativas que promovam seu protagonismo e participação social, após os desafios enfrentados nos últimos anos.


Rosimeire Diniz, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi-MA), compartilhou o sentimento de alegria e aptidão para enfrentar os desafios da grilagem de terras e da demarcação de territórios indígenas da sua região de atuacão. Ela apresentou a situação sobre o caso de indenização de terras do povo Akroá-Gamella, no Maranhão. O território, demarcado em 1759, sofreu grilagem e venda ilegal. Após longo processo judicial, um proprietário pode ser indenizado, enquanto uma ação de 2018 busca reconhecer a posse tradicional da terra pelos indígenas. Rosimeire sente-se mais preparada para atuar na defesa das comunidades locais. “Eu me sinto mais preparada. Sem dúvida nenhuma, eu tive acesso a conhecimentos, existem bastantes teorias que ajudam a gente a compreender os contextos em que nós estamos”, disse Meire. 


Luzineide Fonseca, do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP-ES) reverberou a voz dos invisibilizados pela tragédia de Mariana, denunciando as violações sofridas pelos pescadores/as artesanais. Ela destacou em sua pesquisa especialmente em relação à saúde, com casos de câncer ligados à contaminação da água. Ela se diz satisfeita com o trabalho e a orientação recebida, e enfatiza a necessidade de aplicar o conhecimento adquirido em ações concretas para auxiliar a comunidade.

Paulo Araújo, do Serviço Pastoral do Migrante (SPM-MT), enfatiza a união entre teoria e prática para as atividades das pastorais. Ele afirma que o curso contribui para influenciar políticas públicas, e preparou os agentes para lidar com situações complexas e acolher migrantes de forma mais eficaz. Araújo incentiva a Articulação das Pastorais do Campo a manter a formação de novas turmas, sublinhando o valor da capacitação contínua para o fortalecimento da missão pastoral.

"Agora, mais do que nunca, é recebermos esse restante da sabedoria, destas luzes que nós precisamos do curso e voltar mais conscientes para as nossas comunidades, para os nossos enfrentamentos, para as nossas pastorais," resumiu Paulo, bastante emocionado. 





"A formação contínua é essencial para fortalecer a autonomia e promover uma sociedade justa"


Articulação que fortalece a formação em defesa dos Povos Tradicionais

Ozania Silva, do Serviço Pastoral do Migrante (SPM) e integrante da coordenação da APC, destacou a importância da formação e a participação ativa das mulheres na defesa dos direitos. "A formação contínua é essencial para fortalecer a autonomia e promover uma sociedade justa". Ela elogiou a parceria entre as pastorais e a UFG, ressaltando o valor do conhecimento acadêmico na atuação dos agentes. Diante da beleza que foi a 3ª Turma, Ozania reforçou a importância das pastorais e organismos que formam essa articulação. Ressaltou a necessidade de combater a violência, defender políticas públicas e impulsionar a participação popular para a ação sociotransformadora.

Ela destacou ainda que as pastorais do campo ressaltaram o papel fundamental na defesa dos povos e territórios e a importância da autonomia como base para ações sociais. O curso é visto como um espaço de fortalecimento contra narrativas negativas, e um passo importante para a defesa de políticas públicas para os povos tradicionais.


O último módulo do curso contou com o apoio de organizações como o apoio da Misereor, Fundo Casa, Salve Floresta e Missionários do Verbo Divino, que contribuíram para a realização da etapa final. A organização do curso é realizada pela Articulação das Pastorais do Campo (APC), que integram a Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), Serviço Pastoral do Migrante (SPM), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Cáritas Brasileira e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Pastorais e organismos da igreja católica, unidos na luta pela justiça e o cuidado com a "casa comum".

A 3ª Turma do curso, dedicou homenagem em memória da Irmã Neusa Francisca do Nascimento, que foi aluna da segunda turma e atuou no Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP) do Norte de Minas Gerais. Irmã Neusa integrou a congregação das Irmãs da Divina Providência, faleceu em agosto de 2023 aos 55 anos e deixou um legado de luta e coragem junto aos povos e comunidades tradicionais, em especial os pescadores artesanais que vivem às margens do Rio São Francisco. “Queremos fazer do mundo um lugar bom de se viver”, essa era uma das frases que ela mais repetia em suas lutas. 

A formatura da 3ª Turma do curso de Especialização em Direito Agrário "Irmã Neusa" não foi apenas uma celebração acadêmica, mas um farol de esperança para os povos do campo, das florestas e das águas, que encontram na luta por direitos a força para defender o bem viver dos povos.


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