O Projeto de Lei 2903/2023, que trata do marco temporal
das terras indígenas, foi aprovado pela CCJ e pelo Plenário do Senado, ambos
nesta quarta-feira (27)
Por Marina Oliveira e Tiago Miotto da Assessoria de Comunicação do Cimi
O dia desta quarta-feira (27) amanheceu apreensivo na
capital federal. Em uma postura afrontosa ao Supremo Tribunal Federal (STF),
senadores deram celeridade ao Projeto de Lei (PL) 2903/2023. Em dois espaços da
Casa – na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e no Plenário do
Senado Federal –, os parlamentares aprovaram a proposição que debate o marco
temporal das terras indígenas. Como não sofreu nenhuma alteração na Casa
revisora (Senado), o projeto segue para sanção presidencial.
Na manhã do dia 27, senadores aprovaram na CCJ, por 16 votos a 10, o texto do relator do PL 2903/2023, o senador Marcos Rogério (PL/RO) – que seguiu para o Plenário da Casa em regime de urgência. Horas depois, a proposição também foi aprovada pelo órgão máximo de deliberação da Casa Legislativa – ou seja, pelo próprio Plenário – por 43 votos a 21.
As votações foram pautadas e concluídas no mesmo dia em que
o STF retomou a análise do caso de repercussão geral sobre direitos originários
– que foi finalizada no mesmo dia. A aprovação do projeto no Senado também
ocorre praticamente uma semana após a Suprema Corte rejeitar, por 9 votos a 2,
a tese ruralista do marco temporal.
“As votações foram pautadas e concluídas no mesmo dia em que o STF retomou a análise do caso de repercussão geral sobre direitos originários”
Ao todo, foram apresentadas 81 emendas ao projeto – somando
aquelas que foram propostas na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA),
na CCJ e no Plenário do Senado. No entanto, todas foram rejeitadas.
Não é de hoje
Na última década, especialmente, o Congresso Nacional vem
tentando, a qualquer custo, inviabilizar a demarcação das terras originárias –
confrontando, diretamente, a Constituição Federal de 1988. Essa pressão se
intensificou nos anos recentes, desde que o STF colocou em pauta a discussão do
caso de repercussão geral.
“Na última década,
especialmente, o Congresso Nacional vem tentando, a qualquer custo,
inviabilizar a demarcação das terras originárias”
Centenas de indígenas manifestaram-se contra o PL 490 em frente ao Anexo 2 da Câmara no dia 23 de julho, quando proposta foi aprovada na CCJC. Foto: Andressa Zumpano/Articulação das Pastorais do Campo
No dia 20 de setembro – data da retomada do julgamento no STF –, senadores se articularam para aprovar o PL 2903/2023 na CCJ. No entanto, na ocasião, um pedido de vista feito pela senadora Eliziane Gama (PSD/MA) frustrou a estratégia.
Naquela mesma sessão, senadores contrários ao marco temporal propuseram a realização de uma audiência pública para o dia 26 de setembro. Mas o pedido foi rejeitado em votação – ou seja, nesse tempo todo que o projeto tramitou no Senado, os parlamentares sequer abriram espaço para discuti-lo e analisá-lo com a devida amplitude e seriedade.
Em 2021, quando o STF iniciou o julgamento do caso em formato presencial, a Câmara Federal desenterrou o PL 490/2007, de autoria do já falecido deputado Homero Pereira (PR/MT). Em 2018, ruralistas voltaram a movimentar o projeto, tornando-o ainda mais grave do que a proposta original ao incluir boa parte dos dispositivos anti-indígenas que, agora, foram aprovados no PL 2903.
Com celeridade, os deputados conseguiram aprovar na CCJ da Câmara o parecer do relator da proposição, Arthur Maia (DEM/BA), por 41 votos a 20. A aprovação do PL 490 na CCJ da Câmara ocorreu sem ouvir centenas de lideranças indígenas que se manifestavam em Brasília, há semanas, contra a medida
Neste ano, em mais um passo contrário à Constituição
Federal, a Câmara aprovou o projeto em Plenário – uma semana antes da sessão
marcada pelo STF para a discussão do caso, no dia 7 de junho de 2023.
PL 2903/2023
Um dos aspectos centrais do PL 2903/2023 é o estabelecimento
da tese do marco temporal como critério para a demarcação de terras indígenas:
na prática, a proposta busca inviabilizar novas demarcações de terras
indígenas, barrar os processos demarcatórios em curso e abrir as terras já
demarcadas para a exploração predatória.
“Na prática, a
proposta busca inviabilizar novas demarcações de terras indígenas, barrar os
processos demarcatórios em curso e abrir as terras já demarcadas”
Marco temporal é uma escolha retórica oportunista e criminosa de convencimento, desprovida de fundamento jurídico e doutrinário que busca açoitar ainda mais os povos indígenas do Brasil. Foto: Bianca Feifel
A tese do marco temporal estabelece que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse em 5 de outubro de 1988 ou se conseguissem comprovar o “renitente esbulho” da terra reivindicada – ou seja, comprovar que na data da promulgação da Constituição Federal, os indígenas disputavam a área “pelas vias de fato ou por uma ação judicial”.
Ao incorporar a tese do marco temporal, o PL 2903 afronta a
decisão recente do STF e propõe que o Estado ignore os crimes que foram
cometidos contra os povos indígenas antes da promulgação da Constituição de
1988, amplamente registrados em documentos como o Relatório Figueiredo e a
Comissão Nacional da Verdade (CNV), que investigaram e identificaram diversos
crimes cometidos contra povos indígenas pelo Serviço de Proteção aos Índios
(SPI) e pela Ditadura Militar.
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