terça-feira, 23 de maio de 2017

II Encontro dos Povos e Comunidades Tradicionais reúne cerca de 100 pessoas em Luziânia (GO)

De 22 a 24 de maio ocorre no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia, o Encontro que reúne representantes de diversos povos tradicionais do país, onde discutem a conjuntura política nacional e a luta diária pela garantia de seus territórios e de seus direitos.

(Cristiane Passos – CPT
fotos: Tiago Miotto e Guilherme Cavalli – CIMI; Ingrid Campos - CPP)

O Encontro teve início na manhã desta segunda (22), com um ritual da Teia dos Povos e Comunidades do Maranhão, acolhendo indígenas, quilombolas, pescadores, seringueiros, geraizeiros, retireiros, catadores de flores sempre viva, e todos e todas que irão participar da atividade.

Representante do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, do sul da Bahia, cacique Nailton Pataxó ressaltou a importância da união dos povos tradicionais e, além disso, a importância dos rituais desses povos como forma de fortalecimento na luta. Ele destacou também a atuação fundamental das mulheres na luta e nos espaços de liderança entre as comunidades. “Precisamos fazer uma reflexão da nossa organização, nos juntar para enfrentar essa conjuntura que estamos vivendo. O ritual é uma das ferramentas principais para a gente se reforçar e
também para quebrar o medo. Quero destacar, com isso, a importância das mulheres na luta. Grande parte dos encantados no meu povo se manifesta nas nossas mulheres, elas são centrais na nossa cultura e nos nossos rituais. Precisamos também que elas participem cada vez mais nas instâncias de liderança dos nossos povos”.

Ana Rita Picanço, quilombola do Amapá, aponta como maior desafio atualmente a regularização dos territórios. Para ela, ao mesmo tempo em que estão na mira da violência do capital no campo, os povos se fortalecem com a sua união. “Temos que ser unidos na luta e no tambor. Eu me sinto fortalecida quando estou com todos os povos, não me sinto sozinha assim”.

Já Josemar Durães, do Movimento dos Pescadores Populares (MPP), de Minas Gerais, trouxe a problemática da água. “A questão da água é muito séria. Estamos na nossa região fazendo a revitalização de nossos rios, com o manejo e o saber dos povos. Quando falamos em resistência, temos que falar em ameaças também. E temos que unificar a nossa luta. Queremos chegar nesse mundo proposto pela nossa tradição, baseado na ideia do bem viver”.

Do MPP do Pará, Josana Pinto convocou os guerreiros para se unirem na luta. “Não devemos simplesmente formar lideranças, mas formar guerreiros. Nossa luta é todo dia. A história dos povos das águas é igual a dos outros povos, precisamos resistir para garantir nossos direitos e contra o retrocesso desse governo ilegítimo”.

Josenilson Nogueira e Antônia Valéria Nascimento, seringueiro e seringueira do Acre, compartilharam a dura realidade dos conflitos e da violência contra eles. Mas destacaram a importância da união das lutas, da criação de associações e do apoio de parceiros, como as Pastorais do Campo. Giselda Pereira, seringueira de Rondônia, também trouxe a realidade dos conflitos e da violência cada vez maior na região. Denunciou a invasão de unidades de conservação do estado, que estão sendo tomadas por grupos que exploram ilegalmente a madeira e que, de forma violenta, expulsam os povos tradicionais que lá vivem. “Onde os invasores veem dinheiro, nas nossas florestas, nós vemos vida, e vida que deve ser respeitada”, enfatizou ela.

O plano de civilização brasileira não contempla o saber tradicional
Na análise de conjuntura nacional e internacional, Zezé Pacheco, do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), destacou o conceito de civilização que foi construído no Brasil a partir de uma ideia eurocêntrica de formação social. “A violência e o castigo exemplar são marcas da nossa construção social, o negro que tentou se insurgir apanhou na frente dos demais para servir de exemplo, para que todos aceitassem a subjugação. Essa lógica é a mesma que vivemos até hoje. Não querem que haja espaço para outros povos e modos de vida diferentes desse modelo social. Querem manter essa ideia do homem cordial, o brasileiro pacato que tudo aceita. Mas temos sim muitas histórias de resistência, como o povo Tupinambá, na Bahia, que lutou para expulsar os portugueses e luta até hoje para se manter em seu território”.

De acordo com Zezé, a lógica desenvolvimentista sempre pautou o nosso país. Pautou inclusive entidades representativas, como os sindicatos, e boa parte da esquerda brasileira. “Por isso a dificuldade em nossa luta de ter defesa, porque ela contrapõe esse modelo de pensamento”, completou. Exemplo disso foi em 2005, com o estudo minerário brasileiro, quando o governo descobriu que a maioria das reservas de minérios do Brasil está em territórios tradicionais. A investida contra esses territórios aumentou e Lula, então presidente, declarou que não deixaria de fazer um plano de desenvolvimento para o Brasil por causa de “alguns bugres”.

Cleber Buzatto, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), destacou o momento complicado que vivemos com o governo ilegítimo de Michel Temer. “Estamos em um período de inconstância política, o que acaba por atacar cada vez mais o modo de vida dos povos tradicionais. Nesse momento da conjuntura, os inimigos desses povos estão mais fortes e mais organizados para atacar os direitos dos povos e mesmo seus apoiadores na sociedade. Grave também é o ataque que esses grupos fazem inclusive contra a Constituição Brasileira, desrespeitando-a. Outro instrumento de ataque dos ruralistas é a CPI da Funai, que está aí contra lideranças indígenas, contra pessoas vinculadas a órgãos públicos e apoiadores. Podemos ver que um dos modos de operar essa campanha é o racismo. Os ruralistas se referem aos indígenas como ‘supostos’ indígenas, questionando seu direito de autodeclaração identitária”.

Cleber destacou, por outro lado, a importância de espaços de união e articulação das lutas. “Esse encontro é um reflexo desse processo, de luta, articulação e mobilização dos povos no Brasil. É importante estarmos atentos, articulados, mobilizados, não baixarmos a cabeça diante das tentativas de criminalização ou mesmo de cooptação. Precisamos estar muito atentos. O processo histórico sempre tentou negar a legitimidade dos povos, a legitimidade das comunidades tradicionais. Por isso esses espaços de articulação são de extrema importância para combater essa ideia”, finalizou.

Biomas e a Casa Comum
Representando a Articulação das CPT’s do Cerrado, Isolete Wichinieski falou da importância da escolha do tema da Campanha da Fraternidade desse ano sobre os biomas, e como essa ação facilitou a discussão sobre ecologia, conservação da natureza e convivência entre os povos e as florestas e as águas. “A Campanha da Fraternidade trouxe o chamado do Papa para entender a ecologia integral, entender a convivência com a natureza, renunciar ao modelo consumista”, completou.

Isolete destacou também que a grilagem de terras pelo capital transnacional na área do cerrado tem aumentado, principalmente no Piauí e no Maranhão. “O próprio CAR (Cadastro Rural) está contribuindo para isso. Alguns fazendeiros colocam dentro do cadastro rural as áreas de comunidades como suas reservas e depois expulsam os povos”.

A privatização dos parques é outro grande problema. “Esses espaços estão sendo vendidos e explorados pelo capital. Da mesma forma, a questão da venda de terras para estrangeiros e a não exigência mais do licenciamento ambiental só tem agravado o problema. No cerrado hoje é permitido desmatar 80%. A Campanha da Fraternidade vem fortalecer esse processo de denúncia, como estamos fazendo na Campanha ‘Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida’. Precisamos visibilizar os problemas e conflitos nos biomas, pois a impressão que é passada é que nos biomas além da Amazônia não existem povos”, analisou Isolete.

José Iborra, da Articulação das CPT’s da Amazônia, trouxe um panorama da região amazônica, uma das mais ricas do planeta, tanto em biodiversidade como em diversidade de povos. Os problemas que acometem a região não se limitam aos estados da Amazônia Legal brasileira, mas atingem também outros nove países da América Latina, que fazem parte da chamada Pan-Amazônia. “Desmatam mesmo dentro das unidades de conservação. Entre os casos de violência (conflitos), os maiores números são na Amazônia. A violência atinge mais os sem-terra na Amazônia. O principal alvo dos conflitos são as comunidades tradicionais, mas o foco da violência são os sem-terras”.

Além da violência, os povos amazônicos e seus apoiadores sofrem constantemente com as ações desqualificadoras dos meios de comunicação contrários à luta. “Vemos todos os dias a criminalização dessas pessoas, bem como constantes ameaças contra os defensores das causas desses povos”.

Thiago Valentim, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), reforçou a importância de planos de convivência dos povos com as características de cada bioma em que eles vivem, como por exemplo o semiárido e a caatinga. Mesmo com a seca comum nessas regiões, é possível produzir e viver em harmonia com o ambiente.

“Existem várias formas de utilizar a terra e a água em sintonia com as características da região. Estamos com cinco anos de seca no Nordeste. Essas secas estão sendo mais prolongadas, muito por causa da própria ação do homem e, principalmente, do capital, causando um desequilíbrio no ecossistema. Dessa forma, essas secas acabam atingindo mais duramente as comunidades. Mas ainda assim é possível pensar em ações e políticas públicas que possibilitem essa convivência, é por isso que temos que lutar”, completou.

João Batista dos Santos, do Movimento dos Pescadores e Pescadoras (MPP), falou de como a dinâmica dos litorais é importante para o equilíbrio do planeta. Os mangues também fazem parte desse processo. “O desequilíbrio ecológico nessas áreas impacta em tudo. O ecossistema do manguezal é de extrema importância para a permanência do nosso povo no território, para a reprodução material e imaterial dessas comunidades. Por isso que há resistência, mesmo com toda a violência. O manguezal é muito importante para a reprodução das espécies, não só marinha, mas também da fauna e da flora”. Segundo ele, os manguezais são mais invisibilizados que os outros biomas e, por isso, essas regiões e seus povos são tratados com racismo ambiental, menosprezados e diminuídos dentro das discussões pela preservação da natureza.

A Articulação e as Pastorais do Campo
A Articulação dos Povos e Comunidades Tradicionais surgiu em 2013, a partir da percepção de que povos indígenas e diversas comunidades tradicionais do campo, das florestas e das águas enfrentavam os mesmos desafios e violações, sofrendo com a pressão direta dos interesses privados sobre seus territórios e modos de vida.


A partir da provocação das Pastorais do Campo – CPT, Cimi, CPP, Cáritas, PJR e SPM – e dos próprios povos, comunidades e suas organizações próprias, começou a organizar-se uma articulação nacional, protagonizada por representantes dos povos e comunidades tradicionais e voltada a unificar as lutas em defesa de seus direitos, seus territórios e projetos de vida e de futuro.

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