Representantes das organizações partilharam
pensamentos e estratégias para enfrentar os desafios do endividamento causado
por organismos, como o Fundo Monetário Internacional (FMI)
Por Cláudia Pereira | Comunicação APC
A temática da soberania
financeira se conecta com o tema das crises socioeconômicas e humanitárias
existentes nos países da América Latina e Caribe. O Haiti, por exemplo, é uma
destas realidades que enfrenta fortes ameaças de insegurança socioeconômica e a
insegurança alimentar tem avançado gradativamente. Ao fazer um recorte para a
realidade brasileira, os povos das periferias das cidades, do campo, das
florestas e das águas enfrentam diversas ameaças de grupos econômicos do Estado
brasileiro que mercantilizam a água, o minério e até o gás carbônico que é
fundamental para a vida da terra.
Reunidos em
São Paulo (SP) de 23 a 25 de outubro, representantes de organizações,
ativistas, acadêmicos, movimentos sociais e comunidades afetadas na América
Latina e Caribe, participaram da Conferência Internacional sobre a temática
“Soberania Financeira: Dívida, Exploração e Resistências”. Os participantes
debateram as consequências do endividamento e da financeirização de domínio,
que afeta a vida e os direitos dos povos e da natureza. Momento oportuno para
articular alternativas na defesa da soberania financeira dos povos com objetivo
de defender a vida dos territórios.
A Conferência
Internacional sobre a Soberania Financeira foi promovida pelas entidades:
Jubileu Sul/Américas (JS/A), Comitê para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo
(CADTM-AYNA), Conselho de Educação Popular da América Latina e do Caribe
(CEAAL). As três organizações atuam na defesa dos direitos humanos e entre as
pautas que lutam está o sistema de dívidas contraídas por instituições,
organizações financeiras que exploram os mais pobres.
Os temas dos painéis da
conferência foram: Os desafios da soberania financeira na América Latina e no
Caribe hoje; Dívida, dominação e democracia; Alternativas estratégicas e ações
comuns. Nos três dias de encontro, representações dos movimentos sociais do
campo, das cidades e de setores das igrejas, apontaram críticas importantes e
construtivas sobre a problemática da financeirização e seus impactos sobre os
corpos e territórios. Durante os painéis, os participantes partilharam
realidades vivenciadas em referência à exploração dos bens da natureza,
megaprojetos, extrativismo, privatizações de bens comuns e públicos, que
somados demonstram que o atual modelo de economia projeta cenários com diversos
conflitos.
Questionada sobre as
perspectivas da conferência, Magnólia Said, que é membro do Jubileu Sul Brasil,
fala da necessidade de estabelecer e fortalecer os caminhos de mudanças. “Temos
que intensificar as relações entre os nossos da Américas e Caribe. Precisamos
discutir as nossas lutas que são as mesmas, precisamos fortalecer as
resistências. A expectativa é que nós saiamos daqui com as ações e estratégias
mais articuladas, temos que fortalecer os países da nossa região que estão
precisando de nós, a exemplo da Argentina. Por isso é muito importante esta
conferência”.
Rverardo Piche - Foto: Flaviana Serafim e Juce Rocha | JSB
“Este encontro aqui em
São Paulo sobre a Conferência Financeira, é importante para levarmos aos nossos
territórios outras referências de lutas e ouvir as experiências de países
neoliberais que estão enfrentando a dura realidade que cada vez mais aumenta o
número de pessoas mais pobres e os ricos cada vez mais ricos e como isso afeta
a vida dos países da América Latina e Caribe”. Falou Rverardo Piche, da Rede de
Ambientalistas Comunitários de El Salvador – RACDES, El Salvador.
Camille Chalmers - Foto: Flaviana Serafim e Juce Rocha |JSB
Na primeira plenária que
discutiu os desafios da soberania financeira na América Latina e no Caribe, a
reflexão foi participativa e construtiva. Camille Chalmers, da Plataforma
Haitiana para o Desenvolvimento Alternativo – PAPDA, compartilhou suas reflexões
sobre as vivências e lutas. Camille alertou a realidade do seu país em
referência a proposta de intervenção internacional que deixou sequelas e
resultou na força do imperialismo. “A soberania financeira representa um
elemento muito importante para o Haiti e todo o povo do Caribe, porque temos
vividos ciclos de desastres e com isso se vivencia a exploração de mão de obra
barata para produzir riquezas em outros continentes. Muitos países se tornaram
exportadores de mão de obra, e para nós neste momento precisamos recuperar
nossos espaços de decisões e ter o nosso Estado Haiti independente”. Reforçou
Camille.
Representado a Comissão
Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), participaram da conferência o padre Dario Bossi e
Alessandra Miranda.
Alessandra Miranda, secretária executiva da 6ª Semana Social Brasileira e da Cepast-CNBB
A realidade
socioeconômica brasileira que possui um alto número de desempregados, novos
processos de desenvolvimento do sistema econômico (arcabouço fiscal) e
recuperação de programas sociais, ainda carece de um modelo de economia
inclusiva. Para Alessandra Miranda, secretária executiva da 6ª Semana Social
Brasileira e da Cepast-CNBB, destaca que a soberania financeira é parte dos
processos democrático, governamental e precisa da participação popular.
Alessandra considera o momento oportuno para partilhar as experiências na busca
de fortalecer as estratégias. “Se unir nesse propósito de compreender qual a
particularidade de cada país, é muito importante para que a gente possa se
aproximar ainda mais e continuar fortalecendo esse sentimento de cooperação dos
países da América Latina e do Caribe, mas sobretudo para articularmos ações em
comum para superar essa realidade que existe da violação dos direitos humanos,
da natureza, dos povos tradicionais e dos povos originários”.
Padre Dário Bossi - Foto: Flaviana Serafim e Juce Rocha | JSB |
Padre Dário Bossi da Rede
Igrejas e Mineração da Comissão Sociotransformadora da CNBB, considera o
momento oportuno em razão da reunião de vários países do continente que
fortalece o sentimento de pertença. “É muito importante este encontro de
reflexões, porque hoje a globalização é um sistema que explora e destrói a
natureza que se pauta no extrativismo como solução é muito violenta. Ela pode
ser respondida na medida em que conseguimos agregar nossas intuições,
resistências, experiências e esperanças em se tratando de um tema tão complexo
como é o da financeirização. A financeirização e o extrativismo, estão cada vez
mais entrelaçados e é uma aliança extremamente difícil de se enfrentar e
desfazer. Como desfazê-la? A partir do protagonismo dos territórios, da
soberania dos povos em seus territórios, porque esta é a economia que vale,
essa economia concreta, de quem tem raízes, de quem tem corpo, de quem produz
efetivamente, de quem tem uma economia que de fato pode se transformar em
partilha. Então nós estamos aqui para repensar uma maneira nova de construirmos
a economia para fazermos frente a esse sistema extrativista financeiro e para
entrelaçar nossas esperanças”.
Acompanhe a entrevista
com Alessandra Miranda e o padre Dário Bossi que participaram da Conferência
Internacional da Soberania Financeira e refletiram sobre o tema no contexto
socioeconômico dos povos do Brasil.
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