Coletivo
de Incidência Política Compartilhada realizou formação popular para debater e
compreender o projeto de regularização no Brasil
Por
Cláudia Pereira | APC
O crédito de carbono são valores gerados
com base na redução de emissão de gases de efeito estufa à atmosfera e pode ser
comercializado entre países. Nos últimos meses o Projeto de Lei 412/2022 que
prevê a regulamentação do mercado de carbono no Brasil, tem sido ponto de
debate no Senado Federal. O objetivo teórico do mercado de crédito
de carbono é amenizar as mudanças climáticas global, mas não é bem isso. O
projeto de redução de gases de efeito estufa é uma ameaça à autonomia dos
territórios.
Para contribuir no fortalecimento do
debate, o Coletivo de Incidência Política Compartilhada organizou o momento de
formação popular para aprofundar o conhecimento sobre o crédito de carbono que
afeta a vida dos povos e comunidades tradicionais. A formação foi
realizada em formato virtual (30/10) e reuniu aproximadamente 100 participantes
representando todas as regiões do Brasil. A formação contou com a assessoria de
Juliana Miranda da Hernandez Lerner & Miranda Advocacia e Lindomar Padilha,
missionário do Cimi Regional Amazônia Ocidental.
Os assessores abordaram pontos importantes da pauta que foram além dos conceitos. Apresentaram históricos, tipos de mercado, tipos de compradores, certificados, projetos, exemplos e orientações para a proteção dos direitos dos povos e comunidades tradicionais. O Direito à Consulta Livre, Prévia e Informada da Convenção 169 da OIT do qual o Brasil é signatário, é uma das ferramentas de orientação. Padilha em sua apresentação, abordou uma linha histórica em torno do crédito de carbono e fez uma crítica aos mecanismos de compensação que foram criados que não garante a real diminuição de gás carbônico e as que geram a desigualdade econômica, além dos conflitos nos territórios. O mercado de carbono é o capitalismo verde. Padilha exemplificou o mecanismo de Redução de Emissão por Departamento e Degradação (REDD).
Lindomar Padilha, Missionário do Cimi
“Nós estamos falando de uma espécie claramente de grilagem. Na lógica eles dizem que é um comércio de compensação, na prática é uma compra de direito para continuar poluindo”.
Por
essa razão existe o interesse nas terras dos povos tradicionais, complementou
Padilha.
Juliana, abordou os tipos de mercado de carbono existentes no mundo: compulsório e voluntário. No Brasil, atualmente opera o mercado voluntário que apoia em trocas de créditos de carbono entre empresas, que definem metas de emissão para compensar quando assim precisarem. O mercado regulado, no caso do Brasil, o PL 412/2022 que tramita no Senado tem esse objetivo. O Estado responde e define as metas de emissões para as empresas, ou seja, o mercado compulsório é regulamentado por leis e compromissos nacionais e internacionais.
Juliana Miranda, Hernandez Lerner & Miranda Advocacia |
Como
o crédito de carbono afeta diretamente a vida dos povos?
A interação dos participantes durante a
live de formação trouxe questionamentos e exemplos concretos de como o crédito
de carbono afeta a vida dos povos.
Como uma comunidade pode ser prejudicada
por um projeto de crédito de carbono em suas terras? Como pode perder sua
autonomia, soberania? Perguntou uma participante. Lindomar e Juliana destacaram
a questão do assédio financeiro que as comunidades tradicionais têm enfrentado.
Empresas, e até mesmo o estado, tentam convencer as comunidades com as
propostas de compra de crédito de carbono e isso interfere na autonomia dos
territórios. Quando uma comunidade tradicional ou território de povos
originários assinam esses acordos, se comprometem automaticamente a não
utilizar a área com o seu modo de viver.
Exemplificando casos concretos de assédio
financeiro em comunidades tradicionais Juliana frisou um exemplo no estado do
Pará. Uma área de assentamento
extrativista, que fica na Ilha de Marajó, no município Portel, cidade com
aproximadamente 60 mil habitantes que leva um tempo de quase 13 horas de barco
para chegar ao local, viveu esse tipo de assédio.
A Defensoria Pública do Pará analisou que as empresas de crédito de carbono em
Portel violaram os direitos territoriais e o direito à consulta das comunidades
tradicionais.
O direito de acesso à informação é
imprescindível para enfrentar as formas de assédio financeiro em volta do
crédito de carbono. Existe um discurso que atrai em razão dos altos valores dos
recursos de mecanismos. “Um projeto de mercado de crédito de carbono de poucos
anos não garante o direito à vida e proteção dos territórios”, disse Juliana
que reforçou a importância da orientação sobre esse tema nas comunidades e
territórios.
Saber
mais sobre os impactos do mercado de carbono
Tatiana Oliveira, assessora política do Instituto de Estudos
Socioeconômicos (Inesc), tem acompanhado, junto ao Grupo Carta de Belém, os
processos sobre o projeto de regulamentação do mercado de crédito de carbono,
em especial o PL nº 412/2022, que tramita no congresso. Vale informar que este
projeto de lei que transcorre no Senado atualmente não teve o debate ampliado
no Senado e muito menos com a sociedade e no momento tramita na Câmara e
envolve principalmente o setor do agronegócio.
Tatiana reforça a importância em fortalecer o debate do
objeto da pauta. O grupo Carta de Belém, diante ao projeto de criação do
mercado de regularização, classifica como processo de financeirização da
natureza e publicou o Parecer dos Povos sobre
a Proposta de Criação de um Sistema de Cotas e Comércio de Emissões no Brasil. Tatiana escreveu um artigo pontuando os mercados
de carbono e o modelo brasileiro pontuando as intenções do projeto em trâmite para criar o
Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), que replica o modelo europeu
e viabiliza licenças para poluir.
O mercado de crédito de carbono não tem sido pauta na mídia
nacional. Apesar da relevância socioambiental para o Brasil, as coberturas
sobre o tema não propõem questionamentos sobre a eficácia da regularização do
mercado e não envolvem o público para uma reflexão crítica sobre o tema. Uma
forma também de as comunidades não terem acesso a um volume maior de
informações. Os assessores partilharam artigos e publicações relevantes que
ajudam na compreensão, entre eles o relatório 'Olhar para o
céu com os pés fincados na terra', e Golpe Verde: falsas
soluções para o desastre climático.
A live de formação popular sobre o crédito de
carbono está disponível no canal do Youtube da Comissão Justiça e Paz
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