segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Um Compromisso Vivo pela Terra e pelos Povos

 




Por comunicação Cáritas Brasileira 


De 4 a 9 de outubro de 2023, a cidade de Ilhéus, na Bahia, sediou  o 2º Fórum Brasileiro pelos Direitos da Natureza. O encontro foi uma expressão viva do diálogo entre os povos originários, as comunidades tradicionais e os diversos setores da sociedade, promovendo um espaço de escuta e interação em prol da preservação ambiental e dos direitos da Mãe Terra.

 

O evento teve seu início na Aldeia Indígena Tukum Tupinambá de Olivença, onde a cerimônia de abertura foi conduzida de maneira comovente, celebrando e homenageando a rica cultura local. Diversas lideranças indígenas e representantes de comunidades tradicionais deram voz a questões fundamentais, ressaltando a conexão essencial entre as pessoas e suas terras ancestrais. A luta pela reconquista dos territórios originários emergiu como um poderoso catalisador de resistência coletiva.

 

Um momento significativo foi a denúncia de violações dos direitos humanos apresentada por líderes de diferentes povos e comunidades, com a participação do Ministério Público Federal da Bahia, representado pelo procurador Marcos André. Bárbara Flores, representante indígena do povo Borum Krem, compartilhou sua mudança para a Bahia em busca do Bem Viver com seus filhos, fugindo das atividades de mineradoras que dominaram seu território de origem, Ouro Preto, em Minas Gerais. Lá, a violência contra a natureza persiste, manifestando-se através de inúmeros assédios morais, incluindo a presença de seguranças armados contratados pelas mineradoras, que oprimem as famílias tradicionais que resistem e delimitam áreas exploradas.

 

Ruben Siqueira, da Comissão Pastoral da Terra, destacou que a questão transcende o modelo do agronegócio, adentrando no chamado modelo agro-hidro-minério-negócio. Nesse contexto, cada elemento da Mãe Terra é atribuído uma função econômica e um preço, contribuindo para um ciclo em que empresas atuam sem limites, devastando a terra em diversas regiões do Brasil. A natureza enfrenta um momento crítico em que sua mercantilização se torna cada vez mais predatória.

 

 

Compromissos e Diálogos

 

 

No segundo dia, as atividades se transferiram para a Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). A cerimônia de abertura contou com expressões artísticas e discursos de representantes da UESC, da Aldeia Tukum Tupinambá de Olivença e da coordenadora do Programa Harmonia com a Natureza das Nações Unidas, Maria Mercedes Sanchez.

 



Sanchez enfatizou os avanços globais dos Direitos da Natureza, salientando a importância da cooperação entre academia, comunidades e governos. Ela também ressaltou a criação futura da Assembleia da Terra na ONU em 2024 e a necessidade de escolher palavras que transformem a realidade.

 

 

Oficinas e Círculos: Troca de Experiências e Compromissos



 


 

A tarde foi preenchida por oito oficinas e círculos de interação. A oficina "Lutas Socioterritoriais no Brasil: povos e comunidades tradicionais e o direito à consulta prévia, livre, informada e de consentimento", coordenada pela rede Cáritas Brasileira em parceria com a CPT (Comissão Pastoral da Terra) e CIMI (Conselho Indigenista Missionário), proporcionou um espaço crucial para lideranças relatarem suas experiências na construção de protocolos em seus territórios.

 

 

Alguns representantes de pastorais e de órgãos públicos fizeram uso do espaço. Aroldo do CIMI alertou para o processo da construção do protocolo. Para ele, mais do que ter em mãos o protocolo é necessário que seja respeitado: “Diante dos gigantescos ataques às comunidades, espera-se que os protocolos ganhem não apenas visibilidade, mas que sejam instrumento de validação frente às ações jurídicas”. 

 

Aroldo alerta ainda que o protocolo é realizado para a sociedade branca, pois as comunidades já possuem seus próprios protocolos. Oficializá-lo é somente uma parte que se torna necessária, do ponto de vista dos avanços de muitos empreendimentos no Brasil e dos recorrentes ataques às comunidades nos últimos anos. Torna-se então uma ferramenta que deve ser, antes de tudo, respeitada pelos órgãos de licenciamento.  

 

O representante do Ministério Público Marcos André ratificou que o protocolo deve partir das comunidades e não do governo, uma vez que o segundo é responsável pela fiscalização. Desse modo, as comunidades precisam expressar como querem ser consultadas de forma autônoma, e estabelecer, assim, o direito à consulta prévia, livre e informada. Observou que, na Bahia, a maioria dos licenciamentos são concedidos sem apresentação das consultas prévias, todavia, citou alguns casos de comunidades que apresentaram o protocolo construído de forma autônoma e tiveram mudanças judiciais importantes. O representante do ministério público, Marcos, argumentou que a tarefa do Ministério Público é cobrar do poder público e dos órgãos de licenciamento sobre a consulta prévia, entretanto, mediante ao estágio de recorrentes violações das comunidades tradicionais, é de suma importância que as comunidades tenham autonomia para a construção do protocolo. 

 

Na sequência, o Ministro da Igualdade Racial, Gustavo, iniciou sua fala enfatizando que o protocolo de consulta ganhou espaço devido às forças de atuação de movimentos sociais. Mas há algumas divergências que carecem de ser expostas, a saber, o modo como são tratados os protocolos - em audiências públicas - por parte das empresas que fragilizam o instrumento. Acrescentou ainda que a audiência pública não é lugar de se fazer consulta, e nem o licenciamento ambiental deve ser instrumento para se falar em consulta prévia, visto que a linguagem técnica estabelecida acaba por confundir e não dá a atenção necessária ao protocolo de consulta, colocando-o como secundário.

 

Assim, o Ministro mostrou que os protocolos devem ser feitos antecipadamente pelas próprias comunidades, mais precisamente, no primeiro momento em que os empreendimentos chegam nos territórios. Além disso, argumentou que estão sendo desenvolvidas ferramentas para financiar o processo de consultas em diálogo com os órgãos, e isso pode auxiliar na expansão dos direitos das comunidades e na aplicação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

 

Carlos Delia do MDA relata sobre a importância da construção dos argumentos jurídicos. Para ele, o direito se constitui de um espaço de luta, por isso, é preciso mais do que estabelecer a consulta prévia, mas, sobretudo, entendê-la nas suas especificidades: o que estamos querendo reivindicar.

 

O cacique Maurício argumentou que o fundamental é a luta das comunidades construídas coletivamente, pois “os inimigos” têm as brechas dentro da própria lei para substanciar os grandes empreendimentos. Na sequência, Naiara problematizou a conjuntura política brasileira afirmando que é necessário, sim, munir esses instrumentos, mas sempre de forma atrelada à luta coletiva. Ela refletiu que embora tenha havido avanços significativos na mudança do governo, é preciso não só do reconhecimento das existências das comunidades tradicionais, mas de uma ativa participação desses sujeitos nos espaços de decisão.

 

Como encaminhamento, o promotor do Ministério Público Marcos André se colocou à disposição para auxiliar no que fosse preciso, e disse que através dos relatos compartilhados percebeu que as comunidades estão muito mais conscientes. Nessa direção, o Ministro da Igualdade Racial, Gustavo, também se comprometeu a continuar com o diálogo e alertou que é um processo lento, mas que é necessário o enfrentamento, pois “o governo só anda com pressão social”.

 

Festival de Arte e Cultura dos Direitos da Natureza: Expressões Culturais e Ambientais

 

 


O último dia do evento, na praça Rui Barbosa em Ilhéus, foi marcado por intervenções artísticas, jogos agroecológicos e interações culturais, fortalecendo a conexão entre preservação ambiental e expressões socioculturais.

 

O 2º Fórum Brasileiro pelos Direitos da Natureza em Ilhéus foi um encontro significativo de ideias, estratégias e compromissos em prol da preservação ambiental, respeito às comunidades tradicionais e defesa dos direitos da Natureza. O evento enfatizou a importância da união para assegurar um futuro mais sustentável e ético para todos e todas.






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