Por comunicação Cáritas Brasileira
De 4 a 9 de outubro de 2023, a cidade
de Ilhéus, na Bahia, sediou o 2º Fórum
Brasileiro pelos Direitos da Natureza. O encontro foi uma expressão viva do
diálogo entre os povos originários, as comunidades tradicionais e os diversos
setores da sociedade, promovendo um espaço de escuta e interação em prol da
preservação ambiental e dos direitos da Mãe Terra.
O evento teve seu início na Aldeia
Indígena Tukum Tupinambá de Olivença, onde a cerimônia de abertura foi
conduzida de maneira comovente, celebrando e homenageando a rica cultura local.
Diversas lideranças indígenas e representantes de comunidades tradicionais
deram voz a questões fundamentais, ressaltando a conexão essencial entre as
pessoas e suas terras ancestrais. A luta pela reconquista dos territórios
originários emergiu como um poderoso catalisador de resistência coletiva.
Um momento significativo foi a
denúncia de violações dos direitos humanos apresentada por líderes de
diferentes povos e comunidades, com a participação do Ministério Público
Federal da Bahia, representado pelo procurador Marcos André. Bárbara Flores,
representante indígena do povo Borum Krem, compartilhou sua mudança para a
Bahia em busca do Bem Viver com seus filhos, fugindo das atividades de
mineradoras que dominaram seu território de origem, Ouro Preto, em Minas
Gerais. Lá, a violência contra a natureza persiste, manifestando-se através de
inúmeros assédios morais, incluindo a presença de seguranças armados
contratados pelas mineradoras, que oprimem as famílias tradicionais que
resistem e delimitam áreas exploradas.
Ruben Siqueira, da Comissão Pastoral
da Terra, destacou que a questão transcende o modelo do agronegócio, adentrando
no chamado modelo agro-hidro-minério-negócio. Nesse contexto, cada elemento da
Mãe Terra é atribuído uma função econômica e um preço, contribuindo para um
ciclo em que empresas atuam sem limites, devastando a terra em diversas regiões
do Brasil. A natureza enfrenta um momento crítico em que sua mercantilização se
torna cada vez mais predatória.
Compromissos e
Diálogos
No segundo dia, as atividades se
transferiram para a Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). A cerimônia de
abertura contou com expressões artísticas e discursos de representantes da
UESC, da Aldeia Tukum Tupinambá de Olivença e da coordenadora do Programa
Harmonia com a Natureza das Nações Unidas, Maria Mercedes Sanchez.
Sanchez enfatizou os avanços globais
dos Direitos da Natureza, salientando a importância da cooperação entre
academia, comunidades e governos. Ela também ressaltou a criação futura da
Assembleia da Terra na ONU em 2024 e a necessidade de escolher palavras que
transformem a realidade.
Oficinas e
Círculos: Troca de Experiências e Compromissos
A tarde foi preenchida por oito
oficinas e círculos de interação. A oficina "Lutas Socioterritoriais no
Brasil: povos e comunidades tradicionais e o direito à consulta prévia, livre,
informada e de consentimento", coordenada pela rede Cáritas Brasileira em
parceria com a CPT (Comissão Pastoral da Terra) e CIMI (Conselho Indigenista
Missionário), proporcionou um espaço crucial para lideranças relatarem suas
experiências na construção de protocolos em seus territórios.
Alguns representantes de pastorais e
de órgãos públicos fizeram uso do espaço. Aroldo do CIMI alertou para o
processo da construção do protocolo. Para ele, mais do que ter em mãos o
protocolo é necessário que seja respeitado: “Diante dos gigantescos ataques às
comunidades, espera-se que os protocolos ganhem não apenas visibilidade, mas
que sejam instrumento de validação frente às ações jurídicas”.
Aroldo alerta ainda que o protocolo é
realizado para a sociedade branca, pois as comunidades já possuem seus próprios
protocolos. Oficializá-lo é somente uma parte que se torna necessária, do ponto
de vista dos avanços de muitos empreendimentos no Brasil e dos recorrentes
ataques às comunidades nos últimos anos. Torna-se então uma ferramenta que deve
ser, antes de tudo, respeitada pelos órgãos de licenciamento.
O representante do Ministério Público
Marcos André ratificou que o protocolo deve partir das comunidades e não do
governo, uma vez que o segundo é responsável pela fiscalização. Desse modo, as
comunidades precisam expressar como querem ser consultadas de forma autônoma, e
estabelecer, assim, o direito à consulta prévia, livre e informada. Observou
que, na Bahia, a maioria dos licenciamentos são concedidos sem apresentação das
consultas prévias, todavia, citou alguns casos de comunidades que apresentaram
o protocolo construído de forma autônoma e tiveram mudanças judiciais
importantes. O representante do ministério público, Marcos, argumentou que a
tarefa do Ministério Público é cobrar do poder público e dos órgãos de
licenciamento sobre a consulta prévia, entretanto, mediante ao estágio de
recorrentes violações das comunidades tradicionais, é de suma importância que
as comunidades tenham autonomia para a construção do protocolo.
Na sequência, o Ministro da Igualdade
Racial, Gustavo, iniciou sua fala enfatizando que o protocolo de consulta
ganhou espaço devido às forças de atuação de movimentos sociais. Mas há algumas
divergências que carecem de ser expostas, a saber, o modo como são tratados os protocolos
- em audiências públicas - por parte das empresas que fragilizam o instrumento.
Acrescentou ainda que a audiência pública não é lugar de se fazer consulta, e
nem o licenciamento ambiental deve ser instrumento para se falar em consulta
prévia, visto que a linguagem técnica estabelecida acaba por confundir e não dá
a atenção necessária ao protocolo de consulta, colocando-o como secundário.
Assim, o Ministro mostrou que os
protocolos devem ser feitos antecipadamente pelas próprias comunidades, mais
precisamente, no primeiro momento em que os empreendimentos chegam nos
territórios. Além disso, argumentou que estão sendo desenvolvidas ferramentas
para financiar o processo de consultas em diálogo com os órgãos, e isso pode
auxiliar na expansão dos direitos das comunidades e na aplicação da Convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Carlos Delia do MDA relata sobre a
importância da construção dos argumentos jurídicos. Para ele, o direito se
constitui de um espaço de luta, por isso, é preciso mais do que estabelecer a
consulta prévia, mas, sobretudo, entendê-la nas suas especificidades: o que
estamos querendo reivindicar.
O cacique Maurício argumentou que o
fundamental é a luta das comunidades construídas coletivamente, pois “os
inimigos” têm as brechas dentro da própria lei para substanciar os grandes
empreendimentos. Na sequência, Naiara problematizou a conjuntura política
brasileira afirmando que é necessário, sim, munir esses instrumentos, mas
sempre de forma atrelada à luta coletiva. Ela refletiu que embora tenha havido
avanços significativos na mudança do governo, é preciso não só do
reconhecimento das existências das comunidades tradicionais, mas de uma ativa
participação desses sujeitos nos espaços de decisão.
Como encaminhamento, o promotor do
Ministério Público Marcos André se colocou à disposição para auxiliar no que
fosse preciso, e disse que através dos relatos compartilhados percebeu que as
comunidades estão muito mais conscientes. Nessa direção, o Ministro da
Igualdade Racial, Gustavo, também se comprometeu a continuar com o diálogo e
alertou que é um processo lento, mas que é necessário o enfrentamento, pois “o
governo só anda com pressão social”.
Festival de Arte
e Cultura dos Direitos da Natureza: Expressões Culturais e Ambientais
O último dia do evento, na praça Rui
Barbosa em Ilhéus, foi marcado por intervenções artísticas, jogos
agroecológicos e interações culturais, fortalecendo a conexão entre preservação
ambiental e expressões socioculturais.
O 2º Fórum Brasileiro pelos Direitos
da Natureza em Ilhéus foi um encontro significativo de ideias, estratégias e
compromissos em prol da preservação ambiental, respeito às comunidades
tradicionais e defesa dos direitos da Natureza. O evento enfatizou a importância
da união para assegurar um futuro mais sustentável e ético para todos e todas.
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