No início do mês de novembro foram registrados três
assassinatos de trabalhadores do campo, crimes ocorridos após a reinstalação da
Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no Campo
Por Cláudia Pereira | APC
A nota pública da Comissão Pastoral da Terra (CPT), alerta para a violência contra as comunidades do campo que desde o dia 27 de outubro, a pastoral identificou cinco assassinatos ocorridos nos estados do Maranhão, Pará, Pernambuco e Paraíba. No sábado (11) Ana Paula Costa Silva e Aldecy Vitunno Barros do Quilombo do Livramento Sítio Rancho Dantas (PB), foram executados. No estado do Maranhão trabalhadores foram acusados e detidos injustamente por crimes ambientais. Atos de violência que demandam cobranças, sobretudo após o governo federal reinstalar a Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no Campo.
Em nota a CPT cobra atuação imediata e efetiva do Estado
para que investigue, identifique e atribua as punições aos responsáveis pelos
crimes. “Caso atue de maneira omissa e descompromissada, o Estado brasileiro
será também responsável pela perpetuação do martírio que aflige os empobrecidos
da terra. Nesse caso, a omissão tornar-se-á tão grave e cruel quanto os
próprios crimes cometidos”. Afirma um trecho da nota que aponta para os anos de
ausência das ações do Governo Federal, principalmente o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA).
Os objetivos da reinstalação da Comissão Nacional de
Enfrentamento à Violência no Campo é para mediar e buscar soluções em especial
para os casos de maior complexidade de conflitos socioambientais no campo
brasileiro. Os novos membros tomaram posse (08/11) em evento no Ministério dos
Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), em Brasília (DF). Dados apontam que somente 3% dos mandantes
de crimes no campo são levados a julgamento e apenas 1% são condenados. Uma
realidade que demonstra a urgência e carência de investimento para os órgãos
públicos destinados à pauta do campo.
“A violência dos últimos dias deve ser, para nós, um alerta!
Tratamos aqui de conflitos extremamente complexos que demandam também respostas
complexas. Nesse sentido, as respostas devem ser abrangentes, atacando
diretamente a raiz dos problemas”.
(trecho da nota)
Leia a nota na íntegra
Nota pública da Comissão Pastoral da Terra frente ao
acirramento da violência no campo
"Nenhuma
família sem casa,
nenhum
camponês sem terra,
nenhum trabalhador sem direito!"
(Papa Francisco)
No último final de semana, acompanhamos estarrecidos as
inúmeras notícias de violências contra comunidades no campo brasileiro. Desde o
dia 27 de outubro, foi possível identificar pelo menos cinco assassinatos
ocorridos nos estados do Maranhão, Pará, Pernambuco e Paraíba, em áreas que
enfrentam conflitos agrários.
Diante de tamanha crueldade e recrudescimento da violência,
colocamo-nos em alerta e unidos aos empobrecidos da terra. Não podemos mais
tolerar a impunidade diante de tantos assassinatos e atos de violência,
relacionada a questões estruturantes da atuação do Estado diante da realidade
agrária brasileira.
No Maranhão, o estado mais violento contra os povos
quilombolas em todo o Brasil, no último final de semana, três trabalhadores
rurais residentes no Território da Travessia do Mirador foram detidos por
policiais do Batalhão Florestal, acusados injustamente por crimes ambientais
enquanto estavam trabalhando em suas roças, além de uma suposta
"resistência", quando na verdade estavam de posse de suas ferramentas
de trabalho de uso comum.
Por outro lado, a atuação de milícias rurais a mando de
fazendeiros tem se intensificado no estado. Na sexta-feira (10), um grupo com
10 milicianos invadiu o Povoado São Francisco, localizado em Barra do Corda,
sem ordem judicial em uma operação ilegal e criminosa, resultando na morte de
um deles. Outros dois milicianos foram baleados e socorridos, enquanto outros
sete foram resgatados por policiais e presos em flagrante. De acordo com a
Secretaria de Segurança Pública, dos dez integrantes do grupo, nove são
policiais militares e um penal.
No Pará, conforme notícias amplamente veiculadas, o indígena
Agnaldo da Silva, da etnia Turiwara, foi brutalmente assassinado e outros dois
indígenas ficaram feridos por seguranças privados da empresa Agropalma, quando
se dirigiam para a floresta em busca de alimentos. No Vale do Acará, no
nordeste paraense, há um histórico de conflitos agrários e violências
praticadas pelas empresas Agropalma e Brasil Bio Fuels (BBF), que utilizam
segurança privada para impedir o acesso de comunidades indígenas e quilombolas.
A omissão do Estado frente aos crimes gera um cenário de perpetuação da
violência.
No Nordeste, a luta pela terra e a resistência das
comunidades continuam vivas, mesmo diante da violência. Na tarde do sábado
(11), Ana Paula Costa Silva e Aldecy Vitunno Barros, integrantes do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra foram alvejados no acampamento Quilombo do
Livramento, Sítio Rancho Dantas, no município de Princesa Isabel, no Sertão da
Paraíba. No dia 05, Josimar da Silva Pereira, trabalhador rural sem-terra e
acampado em área de conflito agrário havia sido assassinado em Vitória de Santo
Antão, Zona da Mata de Pernambuco.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) cobra uma atuação
enérgica, imediata e efetiva por parte do Estado no que se refere à
investigação, identificação e punição dos responsáveis pelos crimes. Caso atue
de maneira omissa e descompromissada, o Estado brasileiro será também
responsável pela perpetuação do martírio que aflige os empobrecidos da terra.
Nesse caso, a omissão tornar-se-á tão grave e cruel quanto os próprios crimes
cometidos.
Todos esses casos apresentados nos colocam mais uma vez
diante da histórica violência, degradação e injustiça a que estão submetidos os
povos do campo no Brasil, e da urgência de realização de reforma agrária ampla
e efetiva e demarcação de territórios no país. Inúmeras são as comunidades que
aguardam há anos a concretização de seu direito legítimo de acesso e
permanência em seus territórios, estando como que refugiadas em seu próprio
país.
Após anos de abandono nessa política pelo Governo Federal, a
vulnerabilidade das comunidades nos acampamentos, ocupações, assentamentos e
territórios tradicionais e originários é uma dura realidade que precisa ser
olhada com atenção pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA) e Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
A situação reflete a perversidade do latifúndio no Brasil,
que busca perpetuar seu poder sobre a terra com o uso da violência contra
aqueles e aquelas que resistem. Nesse sentido, as ameaças de morte,
assassinatos e a expulsão das comunidades de seus territórios tornam-se
práticas comuns. Tanto a pistolagem, quanto as milícias rurais e as empresas de
segurança privada, são instrumentos para a prática desses crimes, visando a
concretização da grilagem e o domínio territorial de áreas tradicionalmente ocupadas,
ou reivindicadas pelas comunidades do campo.
A violência dos últimos dias deve ser, para nós, um alerta!
Tratamos aqui de conflitos extremamente complexos que demandam também respostas
complexas. Nesse sentido, as respostas devem ser abrangentes, atacando
diretamente a raiz dos problemas.
Reivindicamos que a Comissão de Enfrentamento à Violência no
Campo assuma com urgência esse papel, articulando respostas governamentais em
ação dialógica entre o Estado, nas esferas administrativa e judiciária, em
nível federal e estadual, em conjunto com a sociedade civil. É urgente o
desenvolvimento de ações articuladas pautadas em dois princípios fundamentais:
garantia do direito à terra e ao território para as comunidades; e combate à
impunidade frente aos crimes praticados pelo latifúndio.
Ademais, os estados também devem assumir sua
responsabilidade no combate à impunidade, dada a competência das secretarias de
segurança pública para investigação. Seguindo protocolos de devida diligência
baseados na imparcialidade e celeridade, deverá promover investigações e
subsidiar o Ministério Público para instaurar os procedimentos judiciais
necessários à responsabilização dos agentes causadores da violência no campo.
Assim, convivendo com a dor da perda de tantas vidas e
sentindo no coração a fome e a sede de justiça, reafirmamos o nosso compromisso
de estarmos irmanadas e irmanados com cidadãos e cidadãs camponesas, indígenas
e quilombolas e suas comunidades, que são as mais vulneráveis diante do poder
do capital. Ansiamos, como Pastoral da Terra, pela paz, pelo bem viver e pelo
fim das desigualdades sociais no campo e na cidade.
Goiânia, GO, 14 de
novembro de 2023
Diretoria e Coordenação
Executiva Nacional da CPT
Imagem: Acervo CPT
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