Foto: Acervo Instituto Seridó Vivo |
A região é muito frequentada por
moradores locais no período das cheias, a exemplo da Cachoeira dos Fundões
*Por Louise Chacon (Agência Saiba
Mais)
Os moradores do município de Carnaúba dos Dantas (RN) e demais cidades próximas estão sem conseguir acessar uma parte das áreas inseridas no Geoparque Seridó. Uma denúncia que chegou aos canais da Agência Saiba Mais afirma que “Atualmente a área com a maior concentração de sítios arqueológicos do RN está fechada pela empresa Casa dos Ventos. Também é um lugar com muitas cachoeiras, que os locais usavam para lazer e visitar o lugar onde seus ancestrais deixaram marcas”.
Joadson
Silva, arqueólogo colaborador do Instituto Seridó Vivo, afirmou à Agência que
trata-se das áreas Riacho do Bojo/Olho d'Água e Riacho do Cardão, que entraram
em processo de privatização no ano passado pela empresa Ventos de São Cléofas Energias
Renováveis, pertencente ao grupo Casa dos Ventos Energias Renováveis,
com o intuito de construir o complexo eólico Pedra Lavada. A área conta com um
total de mais de 50 arqueológicos, incluindo a Cachoeira dos Fundões, muito
visitada pela população local durante esse período de chuvas. Vale lembrar que
a maior área de sítios arqueológicos do Geoparque fica em Carnaúba dos Dantas.
Como explica
Silva, além da importância científica e turística, a região privatizada
trata-se de uma área de grande significado para a população do Seridó,
especialmente dos municípios de Carnaúba dos Dantas, Acari e Picuí. “É uma área que a população usa para o
lazer, como para se banhar na Cachoeira dos Fundões e outras cascatas existentes nos cursos
d'água quando acontecem essas cheias”, ressalta o arqueólogo, se
referindo ao período de chuvas. “E agora
essas pessoas estão sem conseguir acessar essa cachoeira para se banhar e
contemplar a natureza”.
Para além do
direito ao lazer, a população local também visita esses espaços para se
conectar com a própria ancestralidade, lembra Silva. “É uma área na qual a população vai coletar umbu, pois há uma grande
quantidade de umbuzeiras”, pontua o arqueólogo, que tem raízes em Carnaúba
dos Dantas. “O que vocês estão vendo em
Gargalheiras, por exemplo, da população cultuando a água, é muito mais do que
turismo e lazer: é a forma como nós aqui do Seridó nos conectamos com a nossa
terra e com a nossa água”, pontua.
“As pessoas também visitam os
lugares onde estão pinturas e gravuras rupestres, sabendo que ali é um local de
seus e suas ancestrais. A população do Seridó guarda a memória dos ancestrais
indígenas, e para além disso, a história indígena não é coisa do passado.
Existe população indígena no Seridó”, ressalta Silva.
O professor Fabio Mafra Borges, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), campus Caicó, destaca a questão do patrimônio arqueológico da região. “É um tipo de bem cultural que geralmente fica relegado a segundo plano e subutilizado como recurso turístico”.
Para Borges, a implementação desses empreendimentos de energias renováveis, tanto eólica quanto solar, “mesmo com o cumprimento das regulamentações, têm de certa forma impactado esses bens culturais”.
O professor explica que determinados bens não podem
ser restringidos, principalmente os bens arqueológicos, como os sítios
pré-históricos, por já serem registrados como patrimônios nacionais e da
humanidade com base na constituição de 1988 e nas cartas patrimoniais
internacionais.
“Mesmo
que seja uma propriedade privada, o dono pode gerenciar a entrada, mas não pode
impedir o acesso”, afirma Borges.
Ele ainda
ressalta os danos ao patrimônio que esses empreendimentos podem causar na
região. De acordo com o professor, a abertura de estradas na região, por
exemplo, pode causar desmatamento, uma vez que a quantidade de sedimentos que o
vento e as águas transportam seria
maior, colaborando para apagar ou cobrir as pinturas rupestres. “Além disso, a área, ao ser preparada para
implantar os aerogeradores, tende a ser dinamitada. Apesar de ser um processo
bem calculado, com isso o impacto sísmico pode afetar o suporte rochoso onde
existem essas pinturas”.
Foto: Acervo Instituto Seridó Vivo |
"Patrimônio arqueológico de importância mundial"
O complexo eólico Pedra Lavada
A população do Nordeste tem sofrido bastante com a implementação massiva dos empreendimentos da energia renovável, como argumenta Joadson Silva. “E aqui no Seridó, já tem vários empreendimentos eólicos, que estão crescendo, tanto em número da quantidade dos aerogeradores, como na questão de irem para outras terras sagradas da região, sendo a primeira na Serra de Santana. E como tem acontecido em todo o Nordeste, eles têm afetado drasticamente a população e o meio ambiente, que não estão desconectados um do outro”.
A restrição de uso territorial, os grandes desmatamentos, a poluição sonora e a poluição que afeta a produção da agricultura, além de efeitos na paisagem. Esses são alguns dos problemas que os empreendimentos de energias renováveis têm causado no Nordeste, como elenca Silva. Nesta segunda-feira (15), a Agência Saiba Mais noticiou que, em decisão inédita, a justiça potiguar condenou uma empresa de energia eólica a indenizar um morador da zona rural do RN, em Serra de Santana, devido aos danos morais sofridos pela poluição sonora.
“Essa área que hoje tem a chancela de Geoparque Seridó pela Unesco, antes disso, já era área arqueológica do Seridó, concentrando 50 municípios, no Rio Grande do Norte e na Paraíba e com um patrimônio arqueológico de importância mundial. As áreas Riacho do Bojo/Olho d'Água, e Riacho do Cardão, em Carnaúba dos Dantas concentram a maior quantidade de sítios arqueológicos. Além disso, corre risco também o mais antigo cemitério indígena do Rio Grande do Norte e do mundo, a Pedra do Alexandre, local que possui sepultamentos com mais de 10 mil anos.”, explica Silva.
O Instituto
Seridó Vivo e outras entidades vêm atuando, desde o ano passado, quando a
construção do complexo Pedra Lavada foi anunciado, para que esses parques
eólicos não venham a ser construídos na área. De acordo com Silva, “Esse parque se sobrepõe a todos esses
sítios arqueológicos e às comunidades tradicionais, bem como a uma área que tem
a Caatinga preservada”.
No ano
passado, a Agência Saiba Mais noticiou que pesquisadores de diversas áreas e outros representantes da
sociedade civil lançaram, na ocasião, uma nota técnica em que alertam sobre os impactos que o Complexo Eólico Pedra Lavrada
pode causar na região.
Para essa
presente matéria, a Agência não conseguiu entrar em contato com a empresa,
deixando o espaço aberto para manifestação. Mas no ano passado o empreendimento
se posicionou em nota, afirmando que o projeto “foi objeto de um profundo Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), que
se estendeu por três anos e contou com avaliação da geodiversidade, mapeamento,
inventário e caracterização do patrimônio turístico, patrimônio histórico e
cultural”. Por isso, de acordo com a nota, não haverá “danos ao patrimônio geológico – pelo contrário, as ações previstas
envolvem a corresponsabilidade da empresa, junto aos órgãos públicos, na
identificação, proteção e o monitoramento desse patrimônio na área dos parques”.
Foto: Acervo Instituto Seridó Vivo |
Resposta
O Geoparque Seridó afirmou à Agência Saiba Mais que
um dos motivos para essa área da Cachoeira dos Fundões estar fechada no momento
seria devido ao risco de acidente identificado pela Defesa Civil, em razão das
'cabeças d´água' que as chuvas trouxeram ao local.
*Matéria compartilhada com autorização da agência Saiba Mais .
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