NÓS EXISTIMOS E ESTAMOS EM LUTA NÓS
Somos lideranças indígenas, quilombolas, geraizeras,
vazanteiras, pesqueiras artesanais e de apanhadores de flores sempre viva de vários estados do Brasil. Desde 2013, nos
reunimos para partilhar nossas experiências de vida e de luta. Nesta caminhada,
identificamos desafios e inimigos comuns e refletimos sobre a necessidade de
estabelecermos estratégias articuladas de resistência frente a tanta violência
sofrida por nossos povos e comunidades tradicionais.
Nos organizamos em torno da Articulação
Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e estamos em luta pela garantia de
nossos territórios e em defesa do direito de continuarmos vivendo de acordo com
o modo que escolhemos para viver.
Sentimos profundamente as marcas da morte
produzidas pelo avanço acelerado do capitalismo sobre as fronteiras de nossos
territórios e sobre nossa própria pele. Os assassinatos de nossas lideranças, as
expulsões de nossos territórios sagrados e a desestruturação interna de povos e
comunidades são conseqüências nefastas desse processo. Tudo isso é sustentado e
potencializado por políticas estatais que privilegiam o hidro e o agronegócios,
a mineração, as grandes obras de infraestrutura, sempre a serviço do grande
capital. Enquanto isso, a reforma agrária, a demarcação das terras indígenas, a
titulação das terras quilombolas e a regularização de territórios tradicionais
são direitos cada vez mais vilipendiados pelos três poderes do Estado
brasileiro.
Estamos em luta pela rejeição da PEC 215/00 e
das demais proposições legislativas que tramitam no Congresso Nacional e que
atacam nossos direitos fundamentais. Está muito evidente que esta PEC atende
apenas a interesses privados de grandes fazendeiros e de conglomerados
empresariais, inclusive multinacionais, que financiaram as campanhas
milionárias de parlamentares integrantes da bancada ruralista, radical
defensora da Proposta.
Estamos atentos à proximidade entre a bancada
ruralista, a bancada da bala e a bancada fundamentalista religiosa nas
movimentações que ocorrem na Câmara dos Deputados. Saberemos informar e alertar
nossos povos e comunidades, muitas delas com presença de representação desses
grupos religiosos, sobre essa proximidade e interesses comuns em votações de
proposições legislativas que dizem respeito aos nossos direitos.
Exigimos a demarcação e a proteção das terras
indígenas, a titulação das terras quilombolas, a regularização dos territórios
pesqueiros, de geraizeiros e demais comunidades tradicionais. O governo Dilma
fez uma evidente opção pelo agronegócio, modelo baseado na grande propriedade
individual, no uso intensivo de agrotóxicos em monocultivos extensivos para
produção de commodities agrícolas destinadas fundamentalmente à exportação,
causador de danos irreversíveis à natureza e que, em várias situações,
utiliza-se de trabalho escravo. Um modelo colonizador, irresponsável e
insustentável sócio ambientalmente. O avanço da mineração sobre os territórios
é uma ameaça constante, que desrespeita direitos constitucionais e
territoriais. A situação agrava-se quando constatamos o processo em curso de
privatização das águas, materializado nos projetos de cultivos aquícolas, que
desterritorializam comunidades pesqueiras.
Esta opção política do governo Dilma não lhe
dá o direito de desrespeitar a Constituição brasileira e as normativas
internacionais ratificadas pelo Brasil, a exemplo da Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho. Temos o direito aos nossos territórios
livres para fazermos uso de acordo com nossos costumes e tradições. Ao
contrário do que o agronegócio faz com a terra, a tratamos com cuidado e
responsabilidade, para produzirmos alimentos saudáveis para nós e para as
futuras gerações.
Defendemos a constitucionalidade do Decreto
4887/2013 e esperamos a derrubada da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
3239 por parte do Supremo Tribunal Federal (STF). Rejeitamos a tese do “Marco
Temporal” e pedimos que os Ministros do STF revertam as decisões da sua 2ª
Turma, que anularam atos administrativos de demarcação das Terras Indígenas
Guyraroká, Nhanderú Marangatu e Limão Verde, dos povos Guarani Kaiowá e Terena do
estado do Mato Grosso do Sul e da Terra Indígena Porquinhos, do povo Canela
Apanyekra, do Maranhão. Estas decisões legitimam e legalizam todos os
assassinatos e atrocidades cometidas pelo Estado e por particulares contra
nossos povos e comunidades até 1988. Repudiamos e exigimos a revogação do
Decreto 8425, que viola os direitos culturais, dentre eles a auto-identificação
das comunidades pesqueiras e de todos os povos quem tem relação com a pesca
artesanal, principalmente os direitos das mulheres. Tudo isto é injusto e inaceitável.
Trata-se de um verdadeiro atentado contra a história de nossos povos e
comunidades e contra as nossas vidas.
Denunciamos a forte violência imposta sobre
nossos povos e comunidades. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT),
nos últimos 10 anos povos e comunidades tradicionais enfrentaram 5.771
conflitos; 4.568 pessoas destas comunidades foram vítimas de violências; 1.064 sofreram ameaças
de morte; 178 pessoas sofreram tentativas de assassinato e 98 foram
assassinadas. São tamanhas a injustiça e a dor que sofremos por
defendermos nossos territórios livres, que pra nós significa vida, dignidade,
identidade. Ao contrário, quando nossos territórios são tomados e destruídos
pra nós significa tristeza, indignação e morte.
O poder judiciário brasileiro tem perpetuando
a impunidade dos assassinos de nossos líderes e esta impunidade tem
retroalimentado a sanha dos mensageiros da morte. Destacamos como um caso
exemplar dessa realidade a recente decisão do Tribunal de Justiça do Maranhão
que não levará a júri os acusados pelo assassinato do líder quilombola Flaviano
Pinto Neto em 30/10/2010 por “falta de provas”. Em homenagem e em memória aos
nossos líderes, assassinados pelas forças brutas do latifúndio, exigimos
justiça e punição aos responsáveis por estas mortes.
Denunciamos a sanha assassina de fazendeiros
que se organizam por meio de milícias armadas e desferem ataques paramilitares
contra nossos povos e comunidades. Esses ataques têm ocorrido em vários estados
federados e resultado em assassinatos seletivos de nossas lideranças, além de
dezenas de pessoas feridas, torturadas, despejadas. Até mesmo os casos de
estupros coletivos têm sido denunciados, como é o caso das meninas quilombolas
kalungas de Cavalcante, Goiás. Destacamos o genocídio em curso no Mato Grosso
do Sul contra os Guarani Kaiowá, decorrentes desses ataques paramilitares e de
toda a violência sofrida pela comunidade quilombola Rio dos Macacos, na Bahia e
a recente violência policial sofrida por uma jovem indígena Xacriabá no Norte
de Minas, enquanto denunciava a violência contra os Guarani Kaiowá no Grito dos
Excluídos. Nos insurgimos, gritamos e clamamos contra essa situação
desesperadora para nossos povos e vergonhosa para o Estado brasileiro. Exigimos
a criação de uma CPI do Genocídio Guarani Kaiowá.
Seguiremos fortalecidos em nossas
resistências. Não nos calaremos diante de todas estas injustiças e tampouco
deixaremos de lutar. Exigimos nossos direitos garantidos e que nossa dignidade
humana seja respeitada. Nós existimos. Estamos vivos e em luta. Juntamos as nossas
forças em favor da Vida. Que o Deus da Vida abençoe a nossa caminhada.
Brasília, DF, 05 de
outubro de 2015
26º Ano da
Constituição Cidadã
Articulação dos Povos
e Comunidades Tradicionais
Sim, desesperar não resolve, mas como não se indignar com tantas e tamanhas violações? Privilegiam o capital financeiro em detrimento do capital humano! Para onde caminhamos? Levamos para a cova os milhões da Lava-Jato, das campanhas superfaturadas, das contas abertas na Suíça e outros paraísos fiscais? E esse silêncio tácito da dita Grande Mídia...
ResponderExcluirOutra vez respondo a Spivak: se os subalternos não podem falar, resta-lhes gritar.
Os verdadeiros Brasileiros tão injustiçados.
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