Encontro nacional - 20 a 22 de junho - foto: João Vitor
O segundo encontro presencial dos
Povos e Comunidades Tradicionais em dois anos de enfrentamento a pandemia da
Covid-19, apresentou a boa nova na luta e defesa da vida. Com o calendário de vacinação atualizado nos
territórios, os participantes se reuniram respeitando as medidas de segurança
para retomar os caminhos de luta. Entre os dias 20 e 22 de junho
aproximadamente 30 participantes dos territórios estiveram reunidos no Centro
de estudo Sindical Rural (CESIR) em Brasília para fortalecer as
ações dos seus territórios.
O encontro iniciou na tarde do dia 20
de junho com místicas e após cantos entoados por Rosa Tremembé da comunidade
indígena de Raposa do Maranhão, os participantes partilharam as realidades
enfrentadas em seus territórios. “O nosso pior inimigo é o Estado” disse uma
liderança do Pará, ao partilhar o enfrentamento no território que é centenário
e atualmente é cercado pela grilagem e especulação imobiliária. A comunidade
enfrenta os conflitos e as formas de violência com formação e capacitação dos
moradores, para manter a luta das mais de 70 famílias. A comunidade utiliza o
protocolo de consulta, uma ferramenta construída pela comunidade para defender
o território diante as violações do Estado e que é elaborada a partir da
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata do direito à consulta
prévia das comunidades tradicionais a respeito da gestão dos seus territórios.
As partilhas contribuíram para além
das lutas, foram dias de trocas de saberes, experiências que ajudam no
desenvolvimento da agroecologia, na preservação das sementes crioulas, na
construção de caminhos que preservam o meio ambiente e todas as formas de vida.
No momento de escuta dos territórios os participantes discutiram sobre a atual
conjuntura e o desmonte dos direitos, modelos de energia e projetos do
agronegócio que ameaçam o campo, a floresta e as águas. Discutiram a
importância e a preservação da identidade dos povos. “Nesse encontro sabemos
quem são os nossos inimigos e sabemos o que eles querem dos nossos territórios.
Eles querem o que é mais sagrado, a nossa terra, a nossa água, a nossa fonte de
vida, mas sairemos daqui fortalecidos para enfrentá-los”. Falou uma das lideranças.
O momento foi oportuno para a
Articulação Nacional de Quilombos. O grupo pautou os passos da caminhada de
luta, retomar as ações encaminhadas nos últimos dois anos que foram afetados
pela pandemia, sobretudo um olhar especial para as sementes deixadas por Fátima
Barros que faleceu em 2021, vítima da Covid-19. Fátima foi integrante da
Articulação Nacional de Quilombos e do Movimento Quilombola do Maranhão. Atuou
em lutas pela titulação dos territórios e pelo fim do latifúndio. Uma das
mobilizações que marcaram a caminhada da ANQ na presença de Fatima Barros, foi
a criação de um conselho nacional para encaminhar os processos de titulação dos
territórios no Instituto Nacional de Colonização de Reforma Agrária (INCRA). No
estado do Maranhão 72 processos de titulação que já estavam em processo e
paralisados, foram reabertos. O conselho apresentou mais 20 processos dos
territórios que ainda não havia encaminhado o processo para titular os seus
territórios.
Luiz Rogerio Machado integrante da
ANQ e representante do Quilombo Família Machado do Rio Grande Sul, destaca que
o encontro neste contexto é para fortalecer o movimento em razão do período de
isolamento. Nos dois anos mais delicados da pandemia as comunidades priorizaram
as urgências internas que incluíam a sobrevivência dos quilombos. “A luta é
igual em todos os quilombos, mas a peculiaridades de cada comunidade é
diferente”, diz Luiz Rogério que reforçou a importância do encontro presencial
dos representantes da Articulação Nacional dos Quilombos para seguir com a
pressão contra o INCRA e também a Fundação Palmares que mudou as regras de
reconhecimento das comunidades quilombolas.
Mulheres, a força das comunidades
As mulheres foram maioria no encontro
e trouxeram experiências de luta e organização de trabalhos das comunidades. A indígena
Rosa Tremembé partilhou a experiência da Teia dos Povos que realiza intercâmbio
entre os territórios na construção de novos caminhos. “Tem sido a boa nova
entre os povos, sobretudo na relação e respeito com a floresta, o campo, as
águas, o terreiro, a mãe terra,” afirmou Rosa. O intercâmbio da Teia mantém a
resistência e luta pela demarcação dos territórios. Vera Oliveira, que
participa pela primeira vez, representou os extrativistas de Rondônia e diz que
a oportunidade do encontro é um aprendizado que irá fortalecer a comunidade. “Aqui
neste encontro eu percebi que não estamos sozinhos, levo para a minha
comunidade que a partir de agora temos a união de lutas para nos amparar e nos
ajudar a caminhar”, diz Vera que partilhou no encontro as perseguições e a
defesa da floresta que fornece a sobrevivência da comunidade através da
extração da castanha, da produção de óleo da copaíba, coco babaçu e o corte da
seringa. “Eu volto mais fortalecida para a minha comunidade depois deste
encontro, com a sensação de sair do anonimato, principalmente por ser mulher.
Ao chegar aqui e encontrar muitas mulheres de força me encorajou para lutar.”
diz Vera.
Para Vanusa Cardoso, do território
quilombola de Abacatal, no Pará, o encontro fortalece a caminhada que passou
dois anos voltados para as preocupações e sobrevivência na pandemia da
Covid-19. Durante o período mais crítico da pandemia, o Estado não deixou de
atuar com as perseguições administrativas. “Com todos os desafios da pandemia
nós continuamos na luta e estar aqui de corpo a corpo é retomar as nossas
forças na luta nacional por direitos que foram retirados nos últimos anos”.
Afirma Vanusa que reforça que retomar a luta é preservar as vidas que ficaram,
embora o povo esteja fragilizado.
A retomada de luta
Durante os três dias de encontro, os
participantes refletiram as ações e estratégias dos seus territórios diante aos
enfrentamentos da degradação do meio ambiente e a violência do Estado. Para
seguir na luta é necessário a formação constante nos trabalhos de base, para
criar a sustentabilidade e reforçar a comunicação coletiva para a construção de
novos caminhos para os povos e Comunidades Tradicionais, disse um dos
participantes. No último dia de encontro, o coletivo de comunicação das
Pastorais, levou a reflexão da comunicação nos territórios. Pela primeira vez a temática sobre a comunicação foi debatida em encontro
nacional. O coletivo reforçou a importância da comunicação comunitária que além
de ajudar no desenvolvimento da cidadania é capaz de mobilizar os territórios
para fazer incidência. Na roda de conversa, os comunicadores das pastorais
fizeram questionamentos de como fortalecer a comunicação - de nós para nós. O momento de escuta dos territórios
proporcionou caminhos de formação de comunicadores populares, reorganização das
ações em diálogo com a coordenação Nacional dos Povos e Comunidades
Tradicionais. Além dos pontos apresentados, os participantes levantaram debates
sobre a qualidade e segurança das ferramentas digitais e concluíram que a
comunicação é fundamental na luta e fortalecimento das comunidades.
A pauta sobre o marco temporal fechou
o encontro com a participação do secretário executivo do Conselho Indigenista
Missionário (CIMI), Eduardo Oliveira, e os indígenas Jair Xokleng e Misael
Xokleng. Eles compartilharam a angústia de viver mais uma vez o adiamento do
julgamento sobre o Recurso Extraordinário do marco temporal que aconteceria no
dia 23 de junho e foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal. Os intensos
ataques que os povos indígenas têm sofrido neste atual governo afetam também
toda a sociedade, principalmente os mais pobres. “A morosidade do STF no
julgamento é uma estratégia para que o legislativo aprove os projetos de lei
que violam os direitos dos povos”, alertou Eduardo. Os direitos indígenas
retirados da constituição abrem espaço para violações de outros povos que lutam
pelos direitos de permanência em suas terras. Com os Projetos de Lei 490 e 191
que estão na iminência de serem aprovados, corrobora para a degradação dos
povos e das florestas. A articulação tem reforçado o diálogo na busca por
justiça. “O nosso povo Xokleng é sofrido e eu acredito que este ano será de
todos nós povos e comunidades e teremos justiça”, afirmou Jair Xokleng.
O encontro encerrou com cantigas e
gritos de justiça por Bruno Pereira e Dom Phillips que foram assassinados no
início de junho no Vale do Javari, no estado do Amazonas.
Fotos: João Vitor
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